segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

LIVRO ÁPEIRON UMA ÚLTIMA ESPERANÇA. CAPÍTULO 2 COMPLETO.

CAPÍTULO 2

 

A ESCASSEZ DE ÁGUA

 

          Com o crescimento rápido e constante da população, os muriônicos passaram a enfrentar um problema de natureza hídrica irreversível; as reservas de água do planeta, que eram todas subterrâneas, não suportariam mais um século. Mesmo com os racionamentos constantes do produto e seu alto valor comercial, já não era possível abastecer toda a população, principalmente porque alguns magnatas, preocupados somente com suas vidas, começaram a fazer estoques deste recurso clandestinamente. Mas a grande maioria da população não tinha conhecimento das verdadeiras causas e da gravidade do problema, acusando os governantes de regularem o consumo de  água para a população por falta de um bom planejamento na extração e dos gastos dos recursos hídricos, o que em parte também era verdade.

          A Suprema Corte Planetária de Murion (SUCORPLAMUR), que era o poder maior do planeta, reuniu seus Conselheiros, representantes dos vários grupos que agora dominavam Murion, para discutirem sobre o fim já próximo dos recursos hídricos e para encontrarem uma solução; bem o objetivo da reunião era este, mas os Conselheiros foram convocados sem serem avisados dos motivos dela, pois se temia que muitos faltassem por acharem o problema sem muita importância. Reuniram-se na sede da SUCORPLAMUR em volta de uma grande mesa oval, sendo que todos estavam nervosos e na expectativa da fala do Conselheiro Supremo, o poderoso Sofer.

          Sofer, homem de grande sabedoria e gestos firmes, levantou uma das mãos em um gesto de atenção e pôs a falar aos presentes:

          — Irmãos, há vários séculos, mais precisamente dois milênios, nossos antepassados chegaram a este planeta, encontrando nele o local ideal para diversão em épocas de férias. Com a chamada “Guerra da Ignorância”, o nosso planeta Terra foi totalmente arrasado e juntamente com ele todas as colônias espaciais de humanos. Os humanos que estavam neste planeta também foram aniquilados, mas alguns sobreviveram, transformando-o em nossa morada permanente, sendo que nele encontramos as condições necessárias para viver e prosperar. Apesar das adversidades encontradas pelos sobreviventes da Grande Guerra nos primeiros anos, foi possível chegarmos ao estágio que hoje estamos. Mas...

          Todos ali presentes acreditavam que com aquele discurso Sofer estaria abrindo mais um tempo comemorativo pelos séculos difíceis, mas vitoriosos que os sobreviventes estavam passando. Este tipo de comemoração era muito comum em Murion, pois os muriônicos não cansavam de dizer o quanto foram privilegiados por sobreviverem a Grande Guerra e adoravam festas, sendo que as comemorações não tinham uma data fixa, podendo acontecer em qualquer época de acordo com a vontade do governante. Apesar dos palpites sobre a festa que os Conselheiros começavam a dar, Sofer chamou lhes a atenção ao ficar de pé. Sua expressão séria fez os companheiros calarem-se, deixando que ele continuasse seu discurso:

          — Hoje, nós estamos passando por um momento crucial, que representará o futuro de um povo lutador, mas marcado para sofrer, graças à ganância acumulativa de alguns de nós, que destruiu a estabilidade e a igualdade que reinava em nossa sociedade, presentes neste planeta até algum tempo. Alguns dos melhores cientistas da atualidade e do passado estiveram estudando a capacidade hídrica de nosso planeta e ficou comprovado que todas as águas presentes em Murion estariam escassas em pouco mais de 80 anos, sendo que em menos de 20 anos e com a acrescente poluição e natalidade, a metade da população muriônica já morreria com doenças terríveis, além de muitas mutações provocadas pela concentração de agentes poluidores e falta de água, algumas destas doenças já estão em nosso meio.

          O clima da reunião que antes era de festa transformou-se rapidamente em desespero. Os Conselheiros que eram acostumados com as regalias dadas pelo posto importante que exerciam, muitas vezes ficavam distantes da realidade do povo em geral, por isso a grande surpresa por parte de alguns deles. Sofer continuou dizendo:

          — Neste contexto, os mesmos cientistas chegaram a duas conclusões ou hipóteses para solucionar este problema, a primeira seria nos lançarmos à exploração espacial na procura de um outro lugar habitável; a outra medida é extrema, matar a metade da população muriônica agora, assim dando oportunidade da outra metade sobreviver, além de proibir estritamente o sexo com finalidade de reprodução entre nós. Uma conscientização sistemática sobre as consequências da poluição e concretização de atividades de despoluição do solo das zonas aquíferas, torna-se urgente nestas duas opções.

           O silêncio foi geral, todos olhavam para Sofer sem acreditar no que tinham ouvido. Atônitos de surpresa e de medo provocado por aquelas palavras. Mesmo sabendo dos graves problemas ambientais que havia em Murion, jamais pensavam que fossem necessárias medidas tão desafiadoras, e naquele instante.

          Após alguns minutos de silêncio, começou uma grande confusão de palavras entre os Conselheiros, ninguém entendia alguém, todos queriam falar ao mesmo tempo, sem chegarem, contudo a uma conclusão.

          Sofer tomou novamente a palavra, ao apertar uma poderosa sirene, que fez calarem seus companheiros subordinados. Ele acrescentou:

          — É necessário analisarmos as duas opções. Na primeira podemos dizer que há muitos anos já possuímos tecnologia suficiente para nos lançarmos no espaço, à procura de um novo lar, mas não saberíamos, se encontraríamos, um planeta habitável e se teríamos tempo para transportar nossa gente para ele antes da escassez total de água, assim seria um risco, pois comprometeríamos toda a população em caso de um resultado negativo nesta busca; visto que as viagens espaciais de longo alcance já realizadas foram todas negativas quanto à existência de água nestes locais. A Segunda opção, como já foi dito, é muito extrema, teríamos de sacrificar pessoas aleatoriamente ou não, para favorecer a outras, assim conseguiríamos mais alguns anos para procurar o novo lar, mas esta só seria válida se a primeira fosse colocada em prática.

          Fez-se novamente grande silêncio entre os membros da SUCORPLAMUR. Em segundos, os Conselheiros dividiram-se em três grupos. O primeiro grupo, que só apoiaria a expedição exploradora se os Conselheiros fizessem parte dela; o segundo grupo, que aprovava a matança da população, mas somente os menos favorecidos e os doentes é que deveriam morrer, pois agora eram à maioria, além de constituírem ônus para a classe dominante; e finalmente o terceiro grupo, que concordava com a expedição, mas achavam que medidas de controle da poluição e da natalidade poderiam resolver o problema, sem maiores consequências ou gastos, estes continuavam céticos frentes às palavras de Sofer.

          A discussão esquentou os ânimos dos três grupos, que propunham suas opiniões com total convicção. Sendo os grupos representados por seus lideres Pierkles, Frondox e Murtus, respectivamente. Após muitas reflexões e debates foi proposto pelo líder do segundo grupo e da oposição, Frondox, que se fizesse uma votação para resolver o impasse. Mesmo sob protestos a votação foi realizada. O resultado foi intrigante, deu empate entre as três opções, porque houve algumas abstenções.

          Sofer com grande sabedoria propôs novamente:

          — Não havendo consenso entre os membros deste digníssimo Conselho, proponho uma decisão conciliatória. Vamos entrar no seguinte acordo, mandaremos uma Expedição Exploradora até os confins do universo para descobrimos se há outro planeta habitável, mas esta expedição deverá ser composta estritamente por técnicos e militares, que terão maiores possibilidades de terem êxito; faremos controle de natalidade e suspenderemos o tratamento de rejuvenescimento, para as pessoas não perdurem mais que o normal; e se necessário for, mataremos alguns indivíduos, começando pelos doentes e os mutantes.

          Houve novamente um pequeno silêncio, mas de pouco a pouco as mãos começaram a levantar-se aprovando o acordo, menos alguns radicais que continuavam a colocar suas opiniões, estes nunca concordavam com nada.

          Havia outro problema a ser discutido: os recentes ataques dos rebeldes do deserto às fábricas e plantações, que constituíam grandes perdas de receita para o governo. Estes rebeldes viviam no Deserto da Morte, a parte mais árida do Deserto de Amazom, um local de difícil acesso para quem não o conhecesse bem; com suas armadilhas naturais e outras artificiais fixadas para a proteção das aldeias rebeldes, que o transformavam no “Grande Inferno Vermelho”. Apesar das constantes expedições governamentais com o objetivo da captura dos rebeldes, elas nunca foram bem sucedidas. Com os soldados que eram enviados para a região sempre desaparecendo, o que constituía uma perda de recursos humanos e bélicos preciosos que iam fortalecer ainda mais os rebeldes. O fato era que já não se encontrava mais grupamento militar disposto a procurá-los, assim os rebeldes eram chamados de “a força invisível do deserto”.

          Depois de muita discussão, os Conselheiros não entraram em nenhum acordo, principalmente por causa dos que governavam as regiões próximas ao Deserto da Morte, pois muitas de suas riquezas vinham do comércio ilegal com os rebeldes, principalmente de armas. Além disso, uma relação de amizade com os rebeldes, para estes Conselheiros constituía-se também em uma boa tática, pois suas possessões particulares não sofriam ataques. Estes Conselheiros eram chamados de “inimigos do Estado”, contudo nada podiam os outros contra eles, pois estes eram os mais numerosos e poderosos da SUCORPLAMUR. Como não houve consenso, o assunto ficou para ser resolvido em outra data; ou como alguns preferiam, pensar, nunca teria uma solução que agradasse a todos.

          Através de um decreto da SUCORPLAMUR, Sofer transformou-se em Imperador Supremo, cargo temporário dado ao Conselheiro Supremo em épocas de guerras ou de situações de extremo risco, como aquela por qual passavam. Neste posto tomou para si o poder sobre a vida e a morte de seus súditos. Decretou a morte de todos os indivíduos em situação de marginalidade, com doenças crônicas, os deficientes e os mutantes, conhecidos como humanóides, tidos como seres inferiores e ainda os idosos bicentenários. No total foram mortos cerca de 60% da população, que representavam cerca de dois bilhões de indivíduos. Estipulou veementemente, o fim do tratamento de rejuvenescimento e proibiu o sexo com finalidade de reprodução em todo o planeta, sendo penalizado com a morte o casal que tivesse filhos após um ano daquele decreto. Fez a convocação de todos os militares masculinos e femininos, para serem analisados conforme a experiência e a saúde de cada um, sendo o melhor em cada área obrigado a juntar-se à expedição exploradora. Muitos indivíduos morreram por cumprirem os decretos e outros por não cumprirem. O planeta tornou-se um caos, o exército patrulhava todos os lugares recolhendo aqueles que se enquadravam nos decretos citados anteriormente. Murion viveu momentos de muito choro, medo e revolta, com os rios de sangue dos executados inundando o pensamento e a vida dos que foram poupados provisoriamente da morte certa.

          Nos campos, toda a produção de alimentos estava voltada para o futuro abastecimento da expedição. Cereais e animais eram cuidados especialmente para esta finalidade, severas regras de controle foram estabelecidas, para evitar o desperdício ou estoques clandestinos destes produtos. Os alimentos eram processados e transformados em pastas comestíveis, que podiam ser estocadas por longos anos. A produção industrial também se voltou para o abastecimento da expedição, mas com uma sensível diferença, preparavam as tecnologias necessárias para a sobrevivência em outro planeta, ou seja, construíam as bases do que seria a nova comunidade de muriônicos, onde quer que fosse. Naquele momento por qual passava todo o povo muriônico, não dava para pensar em esperança; a palavra certa era perseverança. Uma luta sobrenatural pela sobrevivência.

 

LIVRO ÁPEIRON UMA ÚLTIMA ESPERANÇA, ESCRITOR JOSÉ MARIA CARDOSO, EDITORA EMOOBY 2011. À VENDA NAS PRINCIPAIS LOJAS VIRTUAIS.

 

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