domingo, 30 de setembro de 2012

MEU QUARTO LIVRO COMPLETO – CONTO, RECONTO; ENCONTRO OUTRO CONTO II – EDITORA CARATINGA, 2010

ESCRITOR JOSÉ MARIA CARDOSO LIVROS (7)

 

 

CONTO, RECONTO;

ENCONTRO OUTRO CONTO II

 

          O livro demonstra que os sonhos podem-se concretizar em um momento ou outro, só dependendo da força de vontade com que buscamos realizar nossos objetivos. Sonho que se torna realidade para quem não desiste de lutar. Ele fala sobre os vários momentos da vida através de contos fictícios; histórias feitas para as pessoas que não acreditam e para as que acreditam na força transformadora que o amor (seja qual ele for) tem na vida dos seres. Uma chance para entender que: os fatos simples da vida escondem a beleza e as surpresas do que realmente é importante, o amor. Abra o seu coração e deixe as palavras cativantes, destas páginas, tomarem conta de todo o seu ser!

 

 

*   *   *

 

 

Dedico esta obra às pessoas que sonharam

juntamente comigo e que possibilitaram a

concretização de mais este sonho.

 

 

A Deus,

aos meus familiares,

 aos amigos, aos colegas de trabalho,

às pessoas que vivem a vida com amor.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Viver sem paixão é existir sem ter vida.

É sonhar sem nunca ter vivido a realidade.

José Maria Cardoso

 

PROCURE NO SEU CORAÇÃO

 

Procure no seu coração, você vai achar

Não há nada lá para esconder esta paixão

Aceite-me como sou, aceite minha vida

Eu desistiria de tudo, faria este sacrifício

Só para ter mais um instante do seu amor

 

Nunca diga que não vale a pena lutar por você

Não posso evitar os sentimentos que lhe procuram

Não há nada que queira com mais intensidade na vida

Que um pedaço, mesmo que pequeno, do seu amor  

 

Você sabe, é verdade o meu querer

Tudo o que faço, faço por você

Não há amor como o seu, te desejo 

E ninguém poderia me dar mais amor

 

Não há lugar na minha fantasia, de qualquer jeito

A não ser que você esteja lá todo o tempo

Procure no seu coração, bem lá no fundo

Você vai me encontrar, eu sei que irá procurar 

 

Você pode dizer que não vale tentar a milésima vez

Mas não há nada que eu procure mais que uma chance

Eu lutaria por você, morreria por você

Porque sem você a vida perderia o sentido

 

Ah, sim; morreria por você mil vezes mais

Você sabe, é verdade que estou no porto a esperar

Tudo o que faço, faço por você

É o meu jeito passional de amar

 

Quero ver você olhar nos meus olhos e dizer

Não quero mais que lute por mim desta forma

Pois se eu para de pensar, você acaba no mesmo instante

Porque você só existe no meu pensamento.

 

A MINHA PRIMEIRA PAIXÃO
 

             Os bons momentos da vida não são os que conseguimos respirar profundamente, mas aqueles momentos que nos tiram o fôlego. Das muitas coisas que aconteceram em minha vida, você teve uma grande parcela de participação. Principalmente, no que diz respeito às paixões. Os momentos que marcam as nossas vidas devem sempre estar em nossa  lembrança, pois são exemplos positivos ou negativos da nossa história pessoal. A descoberta da paixão é um momento mágico na vida de qualquer pessoa. É uma fonte inesgotável e saborosa de muitos delírios adolescentes. Assim, é nossa história de amor. Na verdade não sei se posso dizer nossa história de amor; acho melhor dizer por agora minha história de amor. Uma história com momentos de tirar o fôlego.

             Tudo começou sem pressa. No principio, apenas você passava e fala um oi, enquanto eu varria ou lavava a calçada da minha casa. Era tão simples essa nossa forma de encontro, mas aos poucos foi tornando-se muito importante para mim, adolescente inexperiente nos encantos da paixão. Um sentimento, que meu coração de mocinha ainda não compreendia, começou a surgir dentro do peito. Quantas vezes eu te esperava no portão; que era a torre do meu castelo, enquanto esperava o meu príncipe. O engraçado é que meu coração já sabia mais ou menos o horário em que você ia passar e começava a bater descompassado, convidando-me a sair para lhe ver. Quando não te via, a tristeza invadia o meu coração. Às vezes passava da hora de você passar e logo pensava: será que já passou? Mas logo você surgia lá na esquina e eu no portão esperando para receber algo tão insignificante e ao mesmo tempo tão importante para mim, o seu oi de cada dia. Você passava e sorria para mim. Ah! Como eu gostava de ver você sorrindo. Seu sorriso transmitia-me toda a paz que eu precisava para o resto daquele dia. Depois que você contornava a esquina, tudo voltava ao normal, menos as batidas descompassadas do meu coração. Eu ia para dentro de casa cuidar dos meus afazeres e esperar o outro dia de manhã para ver você novamente passar na minha rua, que era o pequeno palco do início da minha paixão por você.

          Com meu coração de adolescente, passei a fantasiar histórias e mais histórias de nós dois. Em todas elas você era o príncipe e eu, logicamente, a sua princesa. Nas muitas aventuras, que imaginava, sempre acontecia alguma coisa para atrapalhar o nosso romance, mas você em seu cavalo branco salvava-me e vivíamos felizes para sempre, com direito a “era uma vez” e todo o folclore dos contos de fada. Em um momento éramos Romeu e Julieta, mas sem morte no final; em outro Aladim e Rapunzel, com lâmpada mágica e cabelos longos; em outros ainda, Maria e José. Tal era a confusão de pensamentos e emoções que me consumiam. Doces momentos eram os que eu passava pensando em você. As outras coisas ao meu redor tornaram-se secundárias. Em casa, o meu companheiro inseparável era o meu diário de capa cor de rosa em que eu escrevia ponto por ponto tudo o que me acontecia; em outras horas o cúmplice era meu caderno de poesias românticas em que eu dava uma de poetiza e compunha frases, versos e estrofes que revelavam meus sentimentos por você. Na escola, todos os assuntos e conteúdos faziam-me imaginar momentos felizes com você: as palavras bonitas do Português, o romantismo da Literatura, a correspondência biunívoca da Matemática, os reis e rainhas da História, as ilhas paradisíacas da Geografia. Tornei-me sonhadora em um mundo construído por mim para nós dois. Mundo este que você nem imaginava existir, penso eu agora. Depois, tornei-me silenciosa, calada, pois sabia que às vezes é necessário esquecer e deixar o tempo agir por nós. Na esperança que um dia você ficasse perto de mim. Somente sonhos! Sonhos estes que davam sentido pleno a minha existência, passei a cuidar mais dos meus objetivos diários, do meu visual, das palavras que saíam de minha boca, tudo acontecendo como um resultado do que estava no meu coração. Aquela paixão realmente estava mexendo comigo. Comecei a ver as coisas e as pessoas à minha volta com outros olhos, a valorizar até mesmo a lua, que iluminava o meu quarto na madrugada enquanto esperava o amanhecer em minhas noites de insônia e paixão, tendo como companheiros ora o diário, ora o caderno de poesias românticas – acho que já falei sobre eles, certo.

          O tempo passa inevitavelmente e com ele surge o medo de não realizarmos os nossos sonhos. Um dia resolvi parar-lhe para perguntar seu nome, mas minha timidez era maior que minha força de vontade nestas horas. Esperava por você todas as manhãs no portão com a idéia de perguntar seu nome. Mas logo que via você, meu coração disparava, as pernas tremiam, os meus pés não conseguiam sair do chão e, cadê minha voz? Buscava forças no peito, respirando fundo, mas nem o oi de cada dia, em certos momentos, conseguia dizer. Quantas vezes eu voltei chorando para dentro de casa, derrotada pela minha vergonha em pronunciar apenas quatro palavras: qual é seu nome? Pegando o meu caderno de mensagens, escrevia frases e mais frases apaixonadas. Em outros momentos, revoltada contra a minha incapacidade em dizer o quanto você tinha se tornado importante para mim, que você não sai dos meus pensamentos; escrevia frases acusadoras contra todos os homens. De pensar em você, tornei-me poetiza; poetiza das palavras hora açucaradas, hora amarguradas pela paixão febril, que acontecia em meu corpo ainda inexperiente. 

          Um dia, porém, passando em frente à oficina de automóveis onde trabalhava, vi você sentado no chão a concertar um carro. A imagem daquele dia eu ainda guardo na memória. Eu ia passando, você sorriu, falou oi e, é claro que também retribui da mesma forma. Parei, voltei, abaixei um pouco para ficar quase na altura de seus olhos e criei coragem para fazer uma pergunta. Pergunta esta, que ainda não era a que tanto queria fazer: posso lhe fazer uma pergunta? Disse em um sussurro. Você parou o que estava fazendo, olhou nos meu olhar e disse que sim. Perguntei, finalmente, qual era seu nome. E de sua parte, a resposta veio como um vento refrescante é para o andarilho no deserto. Sua forma de dizer seu nome cativou-me mais e mais, apaixonei-me sem fronteiras.

          Nossa! Como o seu nome é bonito! E você também! Foram as frases que sem perceber saíram de minha boca. Criando mais coragem ainda, disse para você que queira lhe conhecer melhor. A timidez invadiu-me novamente e sai dali quase correndo e com o coração acelerado, pulando de felicidade; mesmo sem ter ouvido a sua resposta. Rodei por vários minutos pelas ruas pensando no que havia acontecido; as pessoas que passavam ao meu lado tornaram-se meras figuras da paisagem urbana, tal eram os meus pensamentos. Viajei em todas as direções do meu pensamento, em cada uma delas um fato novo acontecia. Você agora era parte de minha vida real e encontrava-me realmente feliz.

          Em casa, escrevi no meu diário:

          Querido diário! Hoje aconteceu algo muito importante na minha vida;, consegui dizer algumas palavras ao meu apaixonado, ele foi extremamente simpático comigo. Com já lhe contei, ele é um tremendo de um gatinho. Seu sorriso é encantador. Acho que ele gosta de mim também. Aquelas histórias que lhe contei estão prestes a acontecer de verdade.

          Passados alguns meses, resolvi mandar-lhe um cartão que tinha na capa a imagem de dois jovens de mãos dadas olhando para o pôr-do-sol; onde escrevi algumas palavras que diziam indiretamente o que realmente queria dizer:

          O amor de Deus é como o Sol que brilha, não deixa escurecer nossos caminhos... Deus tem grandes planos em nossas vidas.

          E lá vou eu, de novo, passar em frente ao seu trabalho para poder entregar o tal do cartão. Era o primeiro cartão que eu escrevia para alguém e não sabia o que falar no momento da entrega. Será que você nutria por mim algum sentimento? Qual seria sua reação ao receber o cartão? Dúvidas e mais dúvidas invadiram os meus pensamentos. Quando lhe vi, você estava entrando para a oficina com algumas peças nas mãos, atrasei os meus passos para ver se voltava. E não é que voltou! Pensei, naquele momento, que até o tempo conspirava em favor de nossa paixão, ou melhor, da minha paixão por você. Entreguei o cartão, falei que era uma simples recordação, mas que era também de todo o meu coração. Esperei algumas palavras vindas de você, mas notei que você estava surpreso e envergonhado demais para dizer qualquer palavra, principalmente perto dos seus colegas de trabalho que olhavam insistentemente aquela cena inusitada. Depois de sorrir para você e com a cabeça a mil, fui embora. Antes de virar a esquina olhei para trás e encontrei seus olhos a olhar o cartão. Aquele dia custou a passar de verdade, pensei que o tempo havia esquecido de rodar os ponteiros do relógio. Esperei por alguma resposta sua no outro dia e nada. Somente ouvi de você ou mesmo oi de sempre. Mesmo assim, eu já estava feliz, pois sentia que aos poucos você viria a ser parte efetiva de minha vida. Os minutos de minha vida passaram a ter um novo sentido: era a paixão que os consumia. Momentos viraram segundos, segundos viraram horas, horas apenas instantes.

          Daí uma semana aproximadamente, eu mandei uma amiga minha entregar-lhe outro cartão, em que estava escrita uma frase retirada de um livro que eu havia lido há algum tempo e que gostava muito. A frase era um pouco dramática, mas expressava tudo o que o meu pobre coração ansiava naquele momento:

 

          Sua atenção é muito importante para mim. A minha vida espera pelo amor como a terra seca espera pela chuva depois de um longo e tenebroso período de estiagem.

          O cartão foi entregue como o combinado com minha amiga na hora e dia marcados. Mas o que me deixou um pouco sem graça, foi que sem perceber ou inconscientemente havia enviado o cartão no Dia dos Namorados. Não sei quais pensamentos passaram por sua cabeça. Mas tudo bem, o importante é que você aceitou o cartão com carinho, segundo o que disse a minha querida amiga.

          Passaram-se mais alguns meses, resolvi marcar um encontro para poder realmente lhe contar o que eu sentia. Fomos, minha amiga e eu, no seu trabalho, era uma segunda-feira de muito sol e com algumas nuvens escuras no céu anunciando o início das chuvas de verão. Conversando agora menos tensa, perguntei se havia gostado dos cartões e você disse que sim. Aliviada, falei que tinha sido a melhor forma de dizer que sentia algo especial por você. Então marcamos um encontro para dali a alguns dias. Na verdade, lembro-me muito bem, seria para o próximo sábado, às vinte horas e trinta minutos, em uma da várias praças de nossa cidade; eu sei que você ainda lembra do local. Na saída deixei com você um outro cartão, agora bem mais sugestivo, que dizia:

           Minha paixão por você é como o vento, não posso vê-la, mas posso senti-la com toda a força, enquanto refresca o meu corpo febril de paixão.

           Sai dali, desta vez, sem muita pressa. Olhei várias vezes para trás e encontrei os seus olhos mirando os meus. Contornei a esquina sentindo vontade de voltar lá e dar em você um longo abraço e um beijo apaixonado, mas me contive a tempo. Ou melhor, foi minha amiga que não deixou que eu realizasse tamanha loucura de amor. 

          Aquela semana passou tão devagar, mas enfim o final dela havia chegado. Minha amiga combinou de passar em minha casa às vinte horas e quinze minutos. Como sempre ela fazia, não chegou na hora certa. Eu já estava ansiosa quando ela apareceu toda sorridente, como se nada houvesse acontecido; isto às vinte horas e quarenta minutos. Saímos apressadas para o encontro, quase correndo mesmo.

          E quem disse que você estava lá? Eu pensei logo: será que vai me dar um fora, justo no primeiro encontro? Passavam tantas pessoas nas ruas, pois era tempo de festas em nossa cidade, mas nenhuma delas preenchia a necessidade de lhe ver. Eu olhava para os quatro cantos da praça e, cadê você? Já passavam das vinte e uma horas e nem sinal. Quase meia hora depois, você apareceu do outro lado da praça, acompanhado por uma garota; mudou a direção de seus passos e passou a caminhar sozinho em minha direção. Confesso que comecei a chorar de felicidade e de emoção. Mas me contive logo e coloquei um lindo sorriso nos lábios após, é claro, de mais um retoque no batom. Minha amiga e eu levantamos juntas e ficamos em uma posição estratégia a espera de seu encontro. Cumprimentamo-nos e, logo a minha amiga inventou uma desculpa para ficarmos sozinhos no banco da praça. Sentados no banco, eu não parava de tremer da cabeça aos pés. Quanto mais pensava no que dizer, mais ficava trêmula. Mas meus pensamentos falavam para não ter medo e começar a conversar, ou melhor, responder o que me perguntava e nem havia percebido.

          Começamos a conversar assuntos banais; os assuntos percorriam caminhos que nenhum de nós dois estávamos interessados, o medo de tocar no assunto realmente importante estava presente também em nós dois. Tomando coragem, eu disse que sentia uma enorme paixão por você. Não sei se você compreendeu minhas palavras, pois elas saíram em um misto de murmúrio e de palavras picadas pela gagueira do momento. Sua expressão não dizia nada. Um silêncio cortante invadiu a praça, não conseguia mais ver a pessoas que estavam a nossa volta e tive uma nítida impressão de que o meu coração parou de bater por alguns segundos, que se eternizaram diante da minha expectativa. Você olhou para um canto qualquer da praça e falou simplesmente:

          — Não sinto por você nada mais que amizade, além de já estar envolvido com outra pessoa, de quem gosto demais. Sinto muito! Mas nunca quis alimentar falsas esperanças de amor por você, mesmo quando lhe tratava com simpatia e cortesia.

           Digo, sinceramente, que não esperava ouvir aquelas palavras vindas de você e, principalmente, faladas com tanta indiferença; com seu rosto a olhar para um ponto qualquer da praça. Elas doeram muito mais que qualquer dor que eu já tivera no passado, pois provocaram uma dor de paixão, que somente os que já foram apaixonados podem compreender; palavras malditas. Tentei dizer algo também, implorar migalhas do seu amor; mas, cadê minha voz novamente? Você levantou-se repentinamente e disse:

          — Vou embora. Tenho outro compromisso a me esperar.

          Neste momento minha amiga voltou para junto de nós, pois percebera de longe o que havia acontecido. Você e minha amiga trocaram algumas palavras, que no momento não ouvi, pois era enorme o meu desespero. Você disse adeus com um aceno e as lágrimas começaram a sair dos meus olhos tristes. Em uma última tentativa, minha amiga pediu para você dar-me pelo menos um abraço de despedida. Eu pensei, ele não vai querer abraçar-me. Mas para nossa surpresa, você caminhou em minha direção e me abraçou com muita força. Ah! Como foi maravilhoso aquele abraço, senti meu coração sorrir naquele momento. Seu perfume gostoso e suave envolvia-me em um laço inebriante e, eu lhe apertava cada vez mais em meus braços, não querendo lhe deixar ir embora. Mesmo sabendo que era o nosso primeiro e último abraço, curti o momento. Você, gentilmente, retirou meus braços de seus ombros e balbuciou adeus. Ainda sem entender os sentimentos que passavam no meu coração, disse para você sempre se lembrar de mim e, que se algum dia a sua situação amorosa mudasse eu estaria esperando. Eu fiquei olhando você ir embora, meu coração pedia mais uns instantes na sua presença, mas você não entendeu a mensagem silenciosa de todo o meu corpo. Acho que você disse um tudo bem sem olhar para trás e desapareceu na multidão que estava na praça. Quando meus olhos não mais o avistavam, as lágrimas vieram inundar o meu rosto completamente. Abracei a minha amiga e, sentido que o mundo fugia dos meus pés, voei em meus pensamentos.

          Os meus pensamentos visualizaram outro momento, bem diferente do que acabara de viver. Que você tinha aceitado namorar comigo; que dizia amar-me muito; que nosso amor seria para sempre. Em um misto de pura loucura e paixão, pensei que estava abraçando você e não minha amiga. A dura realidade voltou em meus pensamentos e chorei mais ainda. Ah! Se você soubesse como chorei por você, pelo teu amor. A minha amiga consolando-me e dizendo que se você havia me rejeitado era por que não me merecia. Mas como fazer um coração apaixonado entender um não da pessoa amada? Como fazê-lo agir com a razão? Se ele era pura emoção por você. Como entender uma pessoa que me tratava com tanto carinho em um momento, mas que em outro momento era um completo estranho? Realmente, ainda não estava preparada para apaixonar-me.

          O caminho até minha casa nunca foi tão longo. Entrei em casa, agradeci a companhia da minha amiga, que voltou para a festa. Fui para o meu quarto sem falar com ninguém e voltei a chorar muito mais do que antes; chorei compulsivamente a perda de um amor que nem havia nascido, que foi na verdade um aborto de uma paixão. Novamente, perguntas e mais perguntas invadiam o meu pensamento. Por que isso tinha que acontecer comigo? Como encarar você novamente? Seria possível amar outra pessoal como amava você? Sim. Naquele quarto escuro, descobri que lhe amava e, esta constatação me fez mais triste ainda. As tantas histórias bonitas que imaginei para nós dois estavam tão distantes que não conseguia imaginar nenhuma delas. Não sei a hora que dormi naquela noite, ou melhor, não sei se consegui dormir.       

          No outro dia, não saí no portão para ver você como de costume. Assim, aconteceu por vários meses. Eu sabia que você passaria por ali dia após dia, mas o meu coração magoado pedia para não vê-lo. Aos poucos, comecei a olhar da janela, depois do quintal, até que um dia sai no portão novamente para ver você passando tão sorridente, falando oi e, continuado seu caminho como se nada tivesse acontecido conosco. Alguns dia depois, lá estava eu passando novamente em frente ao seu trabalho para olhá-lo sorrateiramente.

          Os dias passavam tão rápidos, parecia que eu estava ficando para trás. Sabia da necessidade de dar um jeito na minha vida, que o tempo não espera por ninguém, que estava presa em uma teia feita por mim mesma. Mas como sair dela? Parece que quanto mais eu tentava, mais ficava presa em meus pensamentos por você. Ficava imaginando como seria maravilhoso ganhar outro abraço seu. Apesar de ter sido um abraço de despedida: um até nunca mais; ele significou muito para mim. Sabe, quando você me abraçou, eu fechei os olhos e esqueci de tudo a minha volta. Naquele momento, só havia nós dois no mundo inteiro para mim. Por poucos instantes viajei nas estradas do amor.

          Nossa! Você nem se importava com a minha presença insistente nos lugares em que estava, enquanto que para mim eram preciosos os momentos que na distância contemplava o seu rosto. O meu sofrimento fez-me refletir, precisava sair realmente daquela situação de abandono de meu ser por você. Precisava sair para conhecer novas pessoas, pessoas que também gostassem de mim. Sabia que ficando daquela forma era impossível alguém querer aproximar-se do meu coração, pois eu mesma não conseguia encontrá-lo, na confusão de meus sentimentos.

          Neste tempo que lhe amava, quantas frases apaixonadas eu escrevi a mais, quantas delas falavam de um amor impossível, não sei. Quantas vezes o meu viver ficou esquecido, para ficar pensando em como nos conhecemos. Mas como o tempo, que é o melhor amigo dos corações destruídos pela paixão, descobri que já não mais gostava tanto de você, pois não senti nenhuma emoção maior ao vê-lo um dia com sua namorada. Passei por vocês, falei um oi e continuei minha solitária caminhada. Notei naquele instante que minha primeira paixão havia passado. Que a maturidade para amar havia chegado em meu coração.

          Ao constatar que minha paixão por você havia passado, fiquei muito mais livre para realmente descobrir o que havia acontecido com nós dois. Passei a encarar a vida de frente, buscar no olhar de outros garotos o amor que de você jamais teria. Não por você, mas por que já não mais fazia sentido para mim sua presença e, deixei para trás minha paixão sem razão. Um mundo novo de emoções apareceu em minha frente e, passei a buscar as relações concretas do amor, aquelas que me completariam como mulher, única e especial. 

          Hoje, anos e anos após você me falar o primeiro oi, depois de viver outros amores, ter sofrido e vivido intensamente o calor de outras paixões, sinto que os sofrimentos e sentimentos que tive por você me prepararam para amar de verdade, sem os vestígios da adolescência. Tornar públicos para você estes sentimentos, que há muito tempo estavam presos em algum lugar do meu subconsciente, é uma forma de reviver e concretizar uma parte de minha história. Uma vaga, mas gostosa lembrança agora enche o meu coração quando relembrou a minha primeira paixão. Que foi você!

          Com carinho, mas sem saudades, Cláudia.

 

P.S.: Ficaram como símbolos bem concretos desta minha primeira paixão as frases, os versos e as estrofes que eu escrevi naquela época e que agora acompanham está carta para você.

 

 

 

 

 

 

FRASES, VERSOS E ESTROFES
DE UMA GAROTA APAIXONADA

 

O primeiro amor que entra no coração é o último que sai da memória.

 

Se o amor for crime prenda-me, sou criminosa, pois te amo muito.

 

É mais fácil o botão deixar de ser flor, do que eu deixar de ser seu amor.

 

Sonhei que o fogo gelava

Sonhei que o gelo queimava

Sonhei o impossível de acontecer

Sonhei que você me amava.

 

O momento mais difícil do amor é quando sabemos que ele deve morrer e não temos forças para matá-lo sem dó.

 

Assim como o marinheiro vive no mar a navegar, eu viverei neste mundo somente para te amar.

 

O amor nasce com um olhar, cresce com um sorriso, floresce com um beijo e morre com uma lágrima pelo rosto.

 

Estou zangada contigo

Não pretendo mais te ver

E os beijos que tens comigo

Eu quero o mais rápido te devolver.

 

Se todas as vezes que penso em ti, uma estrela apagasse, talvez nesse céu azul nem mais uma estrela brilhasse.

 

Desejo que sua vida seja igual na matemática, as alegrias somadas, as tristezas subtraídas, seu amor multiplicado e os seus dias felizes dividido com alguém que ama.

 

Se o beijo do amor é um pecado horroroso, porque fez o Senhor Deus um pecado assim tão gostoso.

 

Embora eu não queira isso

Na vida é sempre assim

Hoje, chorei por você

Amanhã, chorará por mim.

 

Não devo amá-lo, mas amo-o com loucura; devo esquecê-lo, mas trago-o na lembrança constantemente.

 

Não creia nos sorrisos dos lábios, sem que os sorrisos dos olhos acompanhem com uma afirmativa.

 

Dois olhares que se trocam, são duas almas que se beijam em um silêncio frenético.

 

Quem eu quero não me quer

Quem me quer mandei embora

E por isso eu já não sei

O que será de mim agora.

 

É mais fácil o céu abaixar ao mar, do que eu deixar de te amar.

 

Ainda que o fogo apague, na cinza fica o calor; ainda que o amor se acabe, no coração fica uma imensa dor.

 

Queria ser uma lágrima para dos teus olhos sair, descer pelo teu rosto lindo e em tua boca morrer.

 

Tenho fome, tenho sede

Não é de pão e nem de vinho

Tenho sede de um abraço

E fome de teu beijinho.

 

O beijo é uma frutinha roxa que não mata a fome, mas abre o apetite.

 

A saudade faz com que vejamos perto, quem de nós está tão distante.

 

O amor não passa realmente de uma reação química, mas é interessante descobrir a fórmula.

 

O beijo que é dado na boca

Este sim é saboroso

Quanto mais for demorado

Mais ele fica intensamente gostoso.

 

Para alcançar teu amor, palmilhei rudes caminhos; parte coberto de rosas, voltei cravada de muitos espinhos.

 

O amor é a loucura dos inteligentes e a inteligência inconsciente dos loucos.

 

Assim como os passarinhos choram e lamentam a perda de seus ninhos, eu choro e sinto falta de seus carinhos.

 

Que linda lua

Que lindo luar

Que lindo moreno

Que fui me apaixonar.

 

Amei e não fui feliz, jurei nunca mais amar, mas os teus olhos castanhos fizeram meu juramento rapidamente quebrar.

 

O beijo é um segredo que se diz nos lábios e esconde no mais profundo lugar do coração.

 

Se eu fosse jardineira, dava-lhe uma flor ainda em botão; mas como sou uma garota apaixonada, dou-lhe o meu coração.

 

O peixe vive no mar

O pássaro vive no ar

Meu coração vive preso

Na vontade de subir com você no altar.

 

Amar é fácil para quem tem coração, esquecer é difícil para que tem memória.

 

Hoje um juramento, depois uma traição; amores inconstantes, flores de um sol de verão.

 

Quando pensares em me esquecer, esqueça de pensar.

 

O beijo é uma estrofe em que duas bocas rimam.

 

Te amar, eu te amo

Te querer, eu te quero

Te esperar, eu te espero

Te perder, eu não quero.

 

O ruído do primeiro beijo não é tão retumbante como um canhão, mas o eco dele dura muito mais.

 

O suspiro profundo é o alivio de um coração apaixonado.

 

Quando amares, ame sem sentir ciúmes; pois o ciúme é um sinal de subtração na operação do amor.

 

É triste amar em segredo

Sofrer por quem não merece

Ter que passar perto de você

Fingindo que não conhece.

 

Beijar é como tomar água salgada; quanto mais se toma, mais sedentos ficamos.

 

Dói saber que te amo, saber que ainda te chamo e você não está.

 

Eu posso não ter sido nada para você, mas você foi tudo para mim.

 

O nome do meu amor é doce

Que não sai do meu pensamento

Desde quando o conheci

Vivo só em sofrimento.

 

No tribunal do amor somos dois condenados, amamos loucamente e vivemos separados.

 

Hoje, tentei te esquecer; mas como sou esquecida, esqueci de te esquecer.

 

Eu desejo, eu desejo de todo o coração; voar para longe, para a terra da paixão.

 

Sonho um beijo muito doce

Em tuas mãos, em tua face

Um beijo com se fosse

Minha alma que te beijasse.

 

É mais certo que as estrelas parem de brilhar do que o nosso amor um dia acabar.

 

Adeus é a palavra mais triste que tem no vocábulo de quem parte para sempre e esperança é a única palavra que fica no coração de quem espera um dia encontrar novamente o amor que foi embora.

 

Os fatos simples da vida escondem a beleza e a surpresa do que realmente é importante: o amor.

 

Quando queremos algo com muita expectativa, devemos estar preparados para sua concretização, para não sermos engolidos pela ansiedade.

 
 
 

 

PAIXÃO COM COMEÇO, MEIO E FIM

 

Um primeiro olhar limitado e retraído

Um primeiro sorriso espontâneo e alegre

Uma primeira palavra insignificante: Oi!

O primeiro encontro ocasional

A primeira conversa longa

O primeiro encontro no portão de casa 

 

A primeira proposta de namoro

O primeiro abraço, um beijo ardente

O primeiro afago no cabelo com carinho

O primeiro sussurro no ouvido: Eu te amo!

Os primeiros momentos de monotonia

O primeiro desencontro na noite

 

O primeiro beijo na testa

Um primeiro beijo protetor tempos depois

As primeiras palavras desencontradas

As primeiras desculpas na madrugada

O primeiro olhar distante e frio

O primeiro caminhar em sentidos opostos

 

A primeira lágrima crescente

O último encontro triste

O último toque na mão

O último olhar amargo

O último sorriso forçado.

A última palavra marcante: Adeus!

 

E agora só há saudades no peito meu

Do primeiro olhar limitado e retraído

Do primeiro sorriso espontâneo e alegre

Do último olhar amargo

Do último sorriso forçado

Da última palavra entre nós: Adeus!

 

UM DESEJO INFINITO

 

Queria ser os raios do sol, para bater em tua janela e

acordar-te devagarzinho com o calor dos meus carinhos.

Queria ser uma linda canção de amor, para mexer

com a tua emoção e tocar bem lá no fundo do seu coração.

 

Queria ser o vento das montanhas, para desmanchar

teus cabelos e beijar de leve o teu rosto enquanto olhas para o vale.

Queria ser o livro que lê em sua viagem sem fim, para fugir

com você no final de cada nova história para o mundo da imaginação.

 

Queria ser uma enorme águia a voar na imensidão, para pousar

mansamente nos teus sonhos, morar no pico alto de sua razão.

Queria ser o calor da manhã a secar o orvalho, para descobrir

no evaporar de cada gota do seu amor, o sentido de um amanhecer.

 

Queria ser a noite de teus sonhos mais profundos, para brincar

com as suas vontades, descobrir a morada de seus devaneios.

Queria ser uma estrada viva sem fim, para levar-te

por caminhos nunca antes andados em meus sentimentos,

caminhar lado a lado com você em suas realizações diárias.

 

Queria ser o galope embalado de um cavalo branco, para ir

rumo ao teu castelo encantado, onde tu és minha dona.

Entre tantas coisas belas, queria ser a saudade, para morar

nos teus pensamentos e não permitir, assim, que nem por

um momento de distração se esqueça de mim, o teu sonhador.

 

Queria ser como a nuvem que tem o poder de se transformar

em chuva, para poder tocar o seu corpo ardente e refrescar

os seus momentos íntimos de intenso calor de amor.

Queria ser, enfim, o teu querer, para saber o que sempre quis

e transformar tudo em realidade num simples passe de mágica.

 

Querer é poder, poder é fazer, o meu fazer é amar você.

 

VOCÊ É ASSIM...

 

Você é assim...

... todinha só para mim...

... no todo e nas partes...

... um esplendor só encontrado nas obras de artes

 

Seu nome sussurrado é poesia...

... seu corpo o meu paraíso desconhecido...

... pronto para ser desbravado e amado!

 

Seu olhar diz muitas coisas...

... mesmo escondido na imensidão do infinito...

... que é teu corpo escultural de mulher!

 

Meu coração navega assim...

... sem rumo, deriva total no seu amor de sereia...

... pronto para viver ou morrer de amor!

 

Felicidade que invadiu...

... minha então solitária vida.

 

Amor foi o que ocorreu instantaneamente...

... em todo o meu viver.

 

Beleza de sentimento é este que...

... está agora em meu coração.

 

Imortal é o meu querer...

... por você, musa minha.

 

Alucinante foi o momento...

... em que encontrei o seu bem querer...

... para assim viver...

... ou mesmo morrer...

... de total prazer.

 

NINGUÉM QUER NOS VER JUNTOS

 

Ninguém quer nos ver juntos

Mas isto não importa

Porque tenho sede de você

No fim o que importa é o coração

 

Enquanto você estiver aí

Eu estarei aqui esperando por você

De tudo isso fica uma pergunta

O nosso destino está escrito ou podemos mudar?

 

Você sempre esteve ao meu lado

Mas cadê você agora, neste instante

Que estou preste a te perder

Pela incompreensão das pessoas infames

 

Nem eu mesmo me compreendo

Imagina você que não precisa me amar

Todos nós usamos preciosos disfarces

E os meus incomodaram muita gente

 

Eu tentei mudar a situação, juro

Mas sozinho eu não consigo

Preciso da sua ajuda urgentemente

Cura as minhas feridas, apaga o meu passado

 

A vida toda tentei provar o contrário

Dizer que o mundo é que estava errado

Tornei-me nesta busca ingrata por aventura

Uma desengonçada caricatura de mim mesmo

 

Ninguém quer nos ver juntos

E talvez realmente eu seja

Uma porta aberta para o infinito

Mas você é o meu norte, fica do meu lado.

 

DE VOLTA PARA CASA

 

Saí muito cedo de casa, fiquei sem comando

Andei por lugares atrevidos e errantes

Estive como uma ave migratória que perde o seu bando

Segui líderes sem causa como os bois vão ao toque dos berrantes

 

Estive muitos, muitos quilômetros longe daqui

Mas sinceramente acho que nunca estive perto

Da família, das pessoas, dos compromissos fugi

Quantas vezes eu tentei, mas não consegui ficar de coração aberto

 

Provavelmente sempre corri atrás da felicidade

Nesta corrida atrás de algo, encontrei a riqueza

Que preencheu o meu coração de falsidade

Troquei o que realmente era importante

Por um lampejo de um corpo com beleza

 

Percorri lugares, países, continentes e o mundo

Dormi nos braços de muitos corpos pagos

Vi a vida nascer e morrer em um toque de segundo

Senti o prazer ao beber e soltar alguns tragos

Mas agora tudo é passado, estou de volta para casa

 

Prepare aquele delicioso feijão com arroz

Não esqueça a farinha, o torresmo e a lingüiça

Ah! Não pode esquecer de colocar sua melhor roupa

Coloque também na cama o lençol vermelho que sempre pós

Arrume tudo com muito carinho, de lado deixe a preguiça

Pois agora estou de volta para casa

 

Espero recuperar agora o tempo perdido

Sentir novamente o calor da esperança, que por vezes vaza

Ter de volta os sentimentos do tempo em que estive sumido

Sentir a brisa do teu corpo como um pássaro a planar

Este eu sei é o momento certo de estar em casa

Espere-me de braços aberto, estou de volta para casa.

 

PRECISO SER AMADO, NÃO IGNORADO

 

Nunca pensei que estaria aqui, assim deste jeito

Você era a garota mais sensacional da escola

Hoje, bela por dentro; mas só maldade por fora

Descobri que sou apenas mais um brinquedo seu

 

Eu estava sossegado no meu canto, em porto seguro

Na vida é assim, quando parece tudo bem

Aparece alguma coisa para atrapalhar, apareceu você 

Esperava ser amado; preciso ser amado, não ignorado

 

O que não se compreende, não se possui; é verdade

Eu esperaria a vida inteira para te compreender

Como é possível sentir saudades de algo que eu nunca possui

Sou apenas mais um ser humano, não exija mais de mim

 

Ainda lembro a primeira vez que rolamos na grama

Espero que aquele beijo não se transforme em cicatriz

Estou morrendo desde o dia em que você chegou para ficar

Mas era para ser o contrário; eu esperava renovação, afinal

Duas pessoas só deveriam se encontrar para gerar a vida 

 

Você precisa aprender a transformar

O substantivo humilde, em um verbo e praticar: humildar

Eu quero me sentir vivo aqui por dentro

Vá ao encontro da felicidade meu garoto

Ouço o vento da razão dizendo nas batidas do meu coração

 

Do meu lado todos pareciam muito felizes

Será que somente eu não tenho direito à alegria

Chega de chorar junto com as personagens dos filmes

Ainda vou encontrar alguém para amar sob a luz do luar

Amanhã eu estarei bem distante e você será apenas

Mais um buraco na longa estrada da minha existência. 

 

 

IMAGEM EM ESPELHO

 

Confesso que já não reconheço o meu rosto

Às vezes olho no espelho e não me vejo

Vejo tantas imagens negativas que provocam desgosto

De pouco a pouco perco os sentidos; falta o desejo

 

Será que dependo do espelho para minha imagem ser formada

Às vezes me olho no espelho e vejo outra pessoa a espreita

Em alguns momentos a pessoa está triste e a imagem deformada

Em outro tempo a pessoa está alegre e a imagem quase perfeita

 

Tudo depende do espelho, não do espelho físico

Mas de como está o meu espelho interior que reflete e amplia

O que percebo no ambiente e nas pessoas a quem dedico

No meu coração os acontecimentos do dia a dia

 

O meu espelho que era translúcido, transparente

Com tudo por mim sofrido nos tempos de outrora

Passou a mostrar o meu lado opaco, corroído, carente

Mas sempre a uma esperança, que é viver no tempo do agora

 

Meu espelho, cadê o meu reflexo?

Minha imagem, cadê o meu espelho?

Um eu sem espelho, uma vida sem reflexo

Duas pessoas, uma imagem em espelho

Uma oportunidade para a auto-reflexão.

 

* * *

 

          Os sonhos não nascem sozinhos, eles precisam ser fecundados através do amor e da esperança, gestados com o tempo, nascer com a dor de um grito e crescer com o fermento da auto-estima. Que pena ver tantos sonhos sendo abortados pelos caminhos da vida, alguns nascendo sem nenhuma força para viver e outros que tinham tudo para dar certo irem para o outro lado, o lado escuro da desilusão. 

 

UMA FAZENDA, UMA ESTRADA E O PADEIRO

 

          Quando ficamos bastante marcados pelo tempo, passamos a pensar na infância com mais carinho. Da minha infância não posso reclamar. Fiz muitas peraltices e até travessuras mesmo. Eu morava, dos quatro aos oito anos de idade, em uma fazenda de gado; em uma casa na beirada de uma estrada que ligava uma cidade a um pequeno povoado. A minha casa era, como costumam dizer, em um “lugarzinho no meio do nada”, pois ficava tão longe da cidade quanto do povoado mais próximo e, para complicar mais ainda, sem energia elétrica. Por este motivo minha família ficava um pouco isolada; cultivando para comer e sem muita informação do que acontecia no campo da política, da cultura e até mesmo daquelas fofocas que as pessoas costumam dizer quando não tem algo realmente importante para uma conversa: quem morreu, quem se casou, quem se separou ou quem teve filho recentemente, etc. A nossa principal forma de contato com a cidade e fonte de informação era um padeiro ambulante que passava duas vezes por semana para vender, trocar e comprar quase que de tudo.

          O padeiro ambulante (nunca fiquei sabendo o seu verdadeiro nome) percorria em sua bicicleta de carga todos os caminhos que levavam às fazendas que ficavam próximas da estrada principal. O padeiro era a alegria das donas de casa e, principalmente, das crianças. As donas de casa gostavam dele porque podiam trocar os pães por produtos que elas faziam como broa de fubá, farinha de mandioca, biscoito de polvilho, entre outros; ou que coletavam como bananas, ovos caipiras, feijão preto, milho de pipoca e ervas medicinais. Por outro lado, as crianças gostavam dele por causa dos pequenos brinquedos e doces que o acompanhavam dentro da cesta grande de taquara em que carregava os pães.

          Toda segunda e quinta-feira, eu levantava bem cedinho, lavava o rosto na água fria da bica e ia para a porteira que ficava ao lado da estrada, a uns trezentos metros de minha casa e em um ponto estratégico de observação. Eu subia na porteira e ficava esperando surgir ao longe a figura disforme do padeiro. O terreno da fazenda, que era uma grande vargem, e a estrada quase sem curvas possibilitava uma visão privilegiada e a grande distância. Por volta das seis horas da manhã já era possível avistar ao longe as cestas de taquara tampadas com um pano branco a refletir os primeiros raios do sol. Quando eu confirmava que realmente era o padeiro e sua bicicleta que estavam vindo, eu saia pulando e gritando rumo ao quintal de nossa casa e, logicamente, com toda está empolgação acordavam os meus quatro irmãos. Depois eu voltava e aguardava a aproximação vagarosa do padeiro.

          À medida que o padeiro ia aproximando, ouvia-se o tilintar dos sininhos que estavam colocados nas cestas de taquara e que tocavam com insistência a cada buraco da estrada irregular. Quando ele chegava, eu já estava com a porteira aberta para ele poder passar sem descer da bicicleta. Com um sorriso no rosto, apesar dos poucos dentes na boca, e uma voz amiga ele dizia:

          — Bom dia! Dona Maria está em casa hoje?

          Dona Maria, era assim que minha mãe era conhecida na vizinhança. Na verdade nem era preciso dar aquele resposta, pois ele sabia que muito, mais muito raramente mesmo minha mãe saia de casa. Com um gesto de cabeça dizia que sim e saía correndo atrás dele e sua bicicleta. O padeiro parava na frente da porta de entrada da nossa casa e gritava:

          — Dona Maria! Tem pão fresquinho hoje e o preço está baixinho também.

          Lá de dentro da nossa casa humilde, surgia a minha mãe rodeada pelos meus três irmãos mais velhos e com o caçula no colo. A minha mãe era uma ótima quitandeira; ela era muito conhecida na região por suas broas e biscoitos que eram assados no forno de barro em formas de folha de bananeira; sendo a sua especialidade a broa de arroz.

          — Seu padeiro, hoje o senhor custou a chegar.

          — É Dona Maria, acho que estou ficando velho. Já não consigo mais pedalar esta bicicleta com tanta velocidade quanto há alguns poucos anos atrás.

          Não precisava olhar com maior atenção para perceber que não fora somente o padeiro que tinha envelhecido. A sua bicicleta também tinha envelhecido muito. Os pneus carecas, a pintura enferrujada e as engrenagens desgastadas pelo tempo já não proporcionavam a mesma eficácia dos quinze anos atrás, em que a bicicleta fora comprada e adaptada para transportar as duas cestas de taquara para carregar os pães: uma cesta grande na frente e uma menor atrás. Na bicicleta ainda foi acoplada uma daquelas sombrinhas de praia, que servia para diminuir o castigo constante de sol e chuva.

          O padeiro era um homem de pele parda, estatura mediana, aparentando uns cinqüenta e cinco anos de idade e que sempre andava com uma bermuda azul-marinho, uma camisa de manga comprida listrada e uma botina de couro.

          Com a minha família reunida em volta das cestas de taquara, só faltava o meu pai que nesta hora já havia saído para tirar o leite das vacas; o padeiro levantava o pano branco e um cheirinho gostoso de pão chegava até os nossos narizes.

          — Hoje, eu tenho pão de sal, pão de doce, pão tatu e pão sovado — dizia o padeiro e depois completava — quantos de cada a senhora vai querer.

          — Só vou quer oito pães de sal hoje, pois não tive tempo de fazer muita coisa para trocar com o senhor — passando uma das mãos na cabeça, a minha mãe continua a explicação — tem dias que estas crianças deixam-me doida de tanta bagunça que fazem e não consigo fazer quase nada.

          — Não tem problema Dona Maria, a senhora é minha melhor freguesa. Pode pegar o quanto quiser, depois a senhora faz mais daquela broa feita de arroz e estamos acertados — o padeiro parou de falar, deu uma olhada para o céu, acendeu um cigarro de palha, sorveu lentamente a fumaça do cigarro para os pulmões e continuou — na semana passada, tive muita encomenda daquela broa e falei com os outros fregueses que levaria em breve. Posso contar com a senhora.  

          Neste momento a minha mãe ficava toda envaidecida, pois gostava muito de receber elogios em relação às suas broas e biscoitos. Enquanto o padeiro continuava a fumar o cigarro e a soltar muita fumaça – que segundo ele mesmo, era para afugentar os mosquitos; minha mãe de cabeça baixa pensava e calculava as possibilidades de atender o pedido. Ela levantou a cabeça e afirmou:

          — Pode contar comigo sim seu padeiro. Na semana que vem, a minha sogra vai passar uns dias aqui em casa e terei tempo para fazer uma grande formada de broa de arroz e, se o senhor quiser, faço um pouco de biscoito de polvilho de mandioca também.

          — Acho que só vou quer a broa de arroz mesmo. Estamos na época da colheita da mandioca e em todas as casas por onde eu passo estão fazendo biscoito. Claro que nem todos os biscoitos são feitos com a mesma prática e nem em forno de barro como os da senhora. Poucas vezes vi tanto biscoito em minha vida como agora.

          — Neste caso, além dos oito pães de sal, o senhor arranja-me também duas sacolas de pão sovado, pois vamos receber visita do pessoal da cidade hoje.

          — Tudo bem Dona Maria.

          Na mão do meu irmão mais velho, já estava uma bacia de alumínio onde o padeiro colocou os pães de sal e as sacolas do pão sovado para as visitas. Ao revirar a cesta para retirar os pães o padeiro deixou a nossa vista os brinquedos que estavam no fundo. Neste momento, meus irmãos e eu começamos a puxar a saia de nossa mãe e a pedir com insistência para ela comprar um brinquedo para nós. Ela brigava com a gente dizendo:

          — Crianças, hoje eu não posso mesmo. As coisas não estão muito fáceis aqui em casa — e virando para o padeiro continuava — se eu não tiver um pulso firme essas crianças gastam todo o nosso dinheiro com brinquedos.

          — Criança é assim mesmo Dona Maria. Vou dar um pequeno brinquedo par cada uma das crianças e depois quando a senhora puder compra mais.

          Nós ganhamos realmente pequenos brinquedos, os meus irmãos mais velhos ganharam um apito cada um, eu ganhei uma língua-de-sogra e o nosso irmãozinho caçula ficou sem ganhar, pois o padeiro não tinha nenhum brinquedo para sua idade.

          Depois de anotar em uma caderneta azul a venda, ou melhor, a troca que havia feito com minha mãe, o padeiro despediu-se dizendo que na outra semana voltava para buscar as broas de arroz. Como sempre, eu o acompanhei novamente até a porteira e fiquei esperando que ele sumisse na primeira curva da estrada rumo à outra casa; já com o sol clareando todo o dia.

          Ao voltar para casa, encontrava minha mãe preparando os copos de café com leite e passando manteiga nos pães. Uma por uma, criança por criança, ela ia chamando e entregando um copo de café com leite e um pão inteiro ou somente um pedaço dependendo de nossa idade e fome logicamente. Em dias muito especiais, a manteiga do pão era substituída por fatias de salame e no lugar do café com leite, era servido suco de acerola ou limão.

          Quando eu acabava de tomar meu meio copo de café com leite e minha metade do pão, ia levar uma caneca grande de café e um pão inteiro para o meu pai no curral que ficava na sede da fazenda. Chegando lá, o meu pai pegava a caneca com o café, tomava o café até ficar pela metade da caneca e completava-a com leite retirado diretamente das tetas da vaca fazendo até espumas. Ainda debaixo da vaca, ele pegava o pão e comia todo ele com duas ou três dentadas apressadas.

          Nesta época tive o meu primeiro emprego que era correr atrás de uma mula. Assim que meu pai acabava de tomar o café com leite e de comer o pão, ele dizia:

          — Pode ir para o pasto correr atrás da sua mula.

          Eu caminhava uns quinhentos metros até um pasto que ficava do outro lado da estrada, passava no vão entre os fios de arame farpado, visualizava onde se encontrava a mula e, com a ajuda de uma corda, começava a correr atrás da tal mula com muitos gritos e gestos. O que acontecia era que a mula tinha um comportamento extremamente arisco; dava muitos coices e era quase que impossível pegá-la para colocar os arreios enquanto ela não estivesse cansada. Assim, o meu primeiro emprego consistia em cansar a mula, para depois que acabasse de ordenhar as vacas o meu pai viesse e conseguisse domá-la. A mula era realmente valente, ela gastava a cada dia mais tempo para se cansar. Em um determinado momento, já eram necessárias quase duas horas de corrida intensa para que ela aquietasse. Lá do curral, o meu pai via o momento em que a mula parava em um certo canto da cerca do pasto e ele sabia que aquele era o momento correto de pegá-la para colocar na carroça e levar o leite até a cooperativa de produtores rurais.

          Como acontecia na minha casa, o padeiro era muito esperado por todos os moradores. Nas casas onde havia pessoas letradas o padeiro fazia papel de jornaleiro, vendendo revistas e dando jornais velhos para a leitura; nas casas dos analfabetos que eram a maioria o padeiro era solicitado para ler recados, cartas, bulas de remédio, folhetos entre outros, para ajudar aquele povo tão sofrido a ter um pouco de informação; nas casas que tinham parentes na cidade ele fazia o papel de carteiro levando e trazendo recados, notícias, cartas e bilhetes com os mais variados assuntos e temas:

 

          Marta do Totonho. Minha filha Cleuza teve um menino com saúde, mas estamos precisando de roupas de bebê, pois fomos pegos de surpresa. Agradecida, Dona Julita do Senhor Francisco Barnabé

 

           Senhor Antônio da Farmácia. Já faz quase uma semana que meu filho Marcelo não pára de ir à casinha, o senhor não tem um remédio para melhorar o estômago dele, se tiver manda com o padeiro que depois mando o dinheiro. Pedro da Fazenda Nova Invernada

 

           Senhores Pais. Devido a um problema de saúde, eu não poderei dar aula durante os próximos quinze dias. Agradeço a compreensão de todos. Dona Glorinha, a professora do Colégio Nossa Senhora da Conceição

 

          As pessoas que compravam os pães com dinheiro eram somente os fazendeiros, pois os empregados naquela época não recebiam uma remuneração digna; na sua grande maioria trabalhavam em troca de casa para morar e um pedaço de terra para plantar alimentos para a sobrevivência. Como não havia então dinheiro com boa parte dos fregueses, o padeiro tornou-se um mascate trocador; o que ele trocava em uma casa por pães, na outra trocava por uma galinha, ainda em outra trocava por farinha de mandioca ou milho de pipoca. Sendo que ao final os produtos da troca eram vendidos na cidade.

          Certa vez, escutei uma conversa do meu pai com o padeiro, em que eles falavam sobre as dificuldades que os trabalhadores passavam nas fazendas e sobre a falta de reforma agrária no Brasil. Recordo ainda as últimas frases do diálogo:

          — Senhor acha justo nos cuidarmos da terra há tanto tempo e não possuirmos nem um pedacinho de chão para chamar de nosso? — perguntou o meu pai em tom de tristeza.

          — Repartir a terra que deveria ser de todos, parece uma redundância lingüística, mas é a mais pura realidade em um mundo em que não há igualdade — respondeu o padeiro assumindo ares de uma pessoa entendida no assunto.

          Eu não entendi nada no momento, mas gostei das palavras e de como foram ditas. Hoje, compreendo melhor aqueles palavras após ter visto e sofrido na pele as conseqüências da má distribuição de renda no nosso país.

          Lembro de uma certa ocasião em que eu fiquei com uma tremenda gripe, com direito a nariz escorrendo e garganta infamada. Passei vários dias só comendo um pouquinho de pão molhado no café e depois durante uns três dias não comia nada mesmo; além da garganta infamada, tudo o que eu comia era vomitado rapidamente. A minha mãe sempre me incentivava a comer algo, dizendo:

          — Fala o que você quer comer que a mamãe compra.

          Em um momento, falei para ela que o que eu queria comer era carne de peixe, podia ser traíra ou acará. Confesso que nunca tinha comido estes dois tipos de peixe, mas sempre ouvia falar que eram gostosos e muito difíceis de serem capturados com o anzol.

          A minha mãe logo replicou:

          — Mas estes dois tipos de peixes são os que possuem maior quantidade de espinhos. Será que você conseguirá comer com essa garganta assim toda inflamada?

          O padeiro que estava em minha casa naquele dia esperando sair mais uma fornada de broa de arroz, disse:

          — Dona Maria, desejo não se discute! Deixa que vou arrumar os peixes.

          No outro dia à tarde, o padeiro chegou lá em casa com três enormes traíras ainda na fieira. Imediatamente, a minha mãe limpou e temperou as traíras, enquanto a gordura esquentava na panela. Sei que em poucos minutos eu estava comendo, com fome de mais de três dias, um enorme pedaço de traíra passado no fubá e depois frito. Se o peixe traíra possuía muitos espinhos como minha mãe disse na época, o meu desejo de comer era tão grande que não me deixou encontrar nenhum vestígio de espinho naquele dia.

          Nunca conseguia ver o retorno do padeiro e sua bicicleta vindo do povoado em direção à cidade, pois ele retornava já tarde da noite e eu de tanto fazer minhas estripulias durante o dia ia dormir cedo, pouco depois que o sol se punha no horizonte. Em alguns dias, o sono era tão forte que eu não conseguia nem esperar para comer o mexidinho que era feito pela minha mãe com as sobras das comidas do almoço e da janta para nós por volta das dezoito horas. É, criança dorme muito mesmo.

          Alguns anos depois, minha família mudou-se para outra fazenda em uma grota mais distante. Assim, eu fiquei sem a presença bem-vinda e esperada de um padeiro para alegrar as minhas manhãs. Mas ficaram e ainda estão presentes em minha vida os cheiros gostosos dos pães transportados por aquele padeiro e do café com leite feito por minha mãe para comer com os pães; sensações que não podem ser encontradas com o mesmo frescor nas padarias de hoje.

          Dos muitos ensinamentos e palavras de valorização humana que ouvi o padeiro ambulante proferir, nos seus momentos filosóficos, não me recordo de muitos devido à distância da minha infância e o tempo presente. Mas carrego bem gravado no coração e na mente uma frase sua, que se tornou para mim um amuleto de sorte e um propósito de vida: é melhor cair no buraco algumas vezes do que nunca olhar para as estrelas.

 

 

 

O CHEIRO DO LIMÃO E A EDUCAÇÃO

 

          As crianças que foram ou são criadas na zona rural tem a oportunidade de brincar e se divertir muito mais que as crianças criadas nas cidades; principalmente hoje, que a violência urbana é tão grande. Eu fui criado em uma grande fazenda de gado no interior mineiro. As minhas principais brincadeiras eram realizadas ao ar livre, em contato direto com o gado, a terra e as plantações. Algumas destas brincadeiras eu lembro até hoje: pique esconde, chicotinho queimado, peteca, queimada, bandeirinha, cabra cega, morto e vivo, entre outras. Com tantas brincadeiras na cabeça, era impossível pensar em pegar em um lápis e em uma folha de papel para desenhar as primeiras letras.

          Quando criança, todas as pessoas conheciam e chamavam-me pelo apelido de Zezinho. O que era um contraste, porque na verdade nunca fui uma criança para ser chamada no diminutivo; sempre fui maior e mais gordo do que a maioria das crianças da minha idade. Hoje, somente algumas pessoas da família continuam a me chamar carinhosamente de Zezinho.

          Um certo dia, a minha família achou que já era chegada a hora de me levar para a escola. Eu estava com sete anos nesta época, completados em janeiro. A distância de minha casa até a escola na cidade era um grande problema, pois não havia transporte escolar como agora. Outro problema, talvez maior que o primeiro, é que eu não queria ir para a escola. O pouco que eu já tinha escutado sobre a escola não era das melhores notícias: um lugar em que precisávamos ficar sentados em fila bem quietinhos e só responder o que fosse perguntado, lendo e escrevendo até a cabeça e os dedos doerem.

          Chegou o dia de ir para a escola. Caminhamos, minha mãe e eu, por aproximadamente dez quilômetros até a cidade; depois mais alguns metros para chegar ao portão vermelho da escola. Era a minha primeira vez na cidade e tudo em volta impressionava os meus olhos. Vestido com uma roupa surrada, com um chinelo de dedo preto nos pés e um embornal feito com pedaços de retalhos nos ombros, eu subi as escadas que davam acesso ao pátio da escola; rumo a novos desafios. Confesso que não esperava tantos desafios, mas não dava para voltar mais atrás.

          Entramos, sentamos na mureta que circulava todo o pátio da escola e ficamos esperando o toque do sino para começar a aula do turno da tarde. Era o meu primeiro dia na escola, mas o ano letivo já havia começado há quinze dias atrás. Ou seja, eu havia chegado na escola com no mínimo um ano e quinze dias de atraso com relação aos meus colegas, que haviam começado a estudar com seis anos de idade.

          Ali, parado e sentado de frente para a porta da escola, eu acompanhava a entrada das outras crianças e imaginando quais delas seriam minhas colegas de classe. Nunca havia visto tantas crianças reunidas em um único local. A escola era estruturada tendo o pátio no centro, as salas de aula envolta e a cantina em uma área lateral. Depois de quase meia hora de espera inquietante, enfim o sino toca e as crianças começam a formar as filas no centro do pátio. Continuei parado no mesmo lugar.

          Os alunos fizeram as filas, rezaram uma oração, cantaram um hino – muito depois, eu ficaria sabendo que era o Hino Nacional Brasileiro – e foram para as salas de aula. Assim que o pátio ficou vazio e em silêncio, a diretora da escola caminhou em nossa direção e perguntou:

          — Boa tarde! O que a senhora está precisando?

          — Eu vim trazer o meu filho para a escola — disse a minha mãe.

          — Quantos anos ele tem?

          — Sete anos.

          — A senhora sabe que seu filho deveria estar na escola desde o ano passado?

          — É que nós moramos em uma roça muito distante. Eu estava esperando que ele ficasse maior para agüentar vir a pé todos os dias e sozinho na maioria das vezes.

          — A senhora trouxe os documentos seus e dele.

          — Eu só trouxe a certidão de nascimento dele. Serve?

          Sem dizer nem mais uma palavra conosco, a diretora caminhou para a porta de uma das sala de aula, conversou rapidamente com a professora da turma e, com um gesto de mão, fez sinal para eu entrar para a classe. Minha mãe disse para eu não ter medo, pois ela me esperaria até o final da aula e completou:

          — Vou arrumar a papelada para a sua matrícula.

          Entrei na sala cabisbaixo, sob o olhar curioso e atento das outras crianças, sentei em uma cadeira com uma pequena mesa na frente que a professora indicou com as mãos e rezei para o tempo passar bem depressa. A professora era uma senhora negra, com boa parte dos cabelos brancos, gorda e tinha uma expressão muito séria no rosto. Ela era conhecida como Dona Aurora. Depois de conversar um pouco com os alunos sobre a matéria estuda no dia anterior, Dona Aurora foi para o quadro de giz corrigir o dever de casa. Enquanto meus colegas de classe copiavam uma leitura extensa do quadro, a professora aproximou-se da minha carteira, parou por um instante me olhando e perguntou:

          — Você tem caderno, lápis e borracha?

          Sem responder, por não saber o que dizer, eu abri o embornal e retirei o que estava lá dentro.

          — Seria melhor se o seu caderno tivesse mais folhas, mas o lápis e a borracha estão bons — disse a professora.

          Ela pegou sua caneta, escreveu algumas coisas e pediu para eu passar o lápis por cima.

          — Quando eu ver que você acabou, volto.

          Peguei no lápis sem muito jeito e comecei a passar por cima daqueles rabiscos. Mas o que eu queria mesmo era estar brincando com meus amigos lá da roça ou correndo atrás do gado em cima de um cavalo como era o meu costume. O tempo não passava e eu a passar o lápis nos rabiscos.

          Após o recreio, a secretária da escola trouxe o diário de classe para a professora registrar a freqüência dos alunos. Um por um, Dona Aurora foi chamando o nome de meninos e meninas; com o aluno do nome chamado, levantando da carteira e dizendo presente. Quietinho no meu lugar, eu esperava ansioso para chegar logo o meu nome. A professora falou o último nome e ninguém levantou ou disse presente. Ela repetiu o mesmo nome, agora em um tom mais alto de voz:

          — José Maria Cardoso, está presente.

          Ninguém levantou ou disse qualquer coisa outra vez. Dona Aurora levantou de sua mesa, veio até minha carteira novamente e perguntou:

          — Qual é o seu nome para eu colocar aqui no diário.

          — Zezinho — disse em um murmúrio.

          — Não. Esse não pode ser o seu nome, no máximo o seu apelido.

          — Zezinho, eu sou sempre chamado por esse nome — insisti, já começado a chorar.

          Dona Aurora saiu quase correndo para a diretoria para resolver o mal entendido, me levando junto com ela carregado pela mão. Minha mãe, que ainda estava na escola, foi chamada às pressas. Dona Aurora, minha mãe e a diretora conversaram alguns minutos e acho que chegaram a um acordo; eu particularmente não estava entendendo nada, tentando imaginar o que tinha feito de tão errado assim para provocar aquela confusão toda. A professora me chamou para voltar para a sala de aula. Chegando na sala, ela me deixou em pé na frente da turma e disse:

          — Todos nós agora vamos dar uma salva de palmas para acolher o José Maria Cardoso, o nosso novo aluno da classe.

          Naquele dia, descobri a minha verdadeira identidade, o meu nome era José Maria Cardoso. Esta descoberta provocou em mim uma certa crise de identidade. Eu gostava tanto de ser chamado de Zezinho, mas agora seria chamado de José Maria Cardoso. Naquele dia também, descobri a primeira função da educação: dar identidade para o ser humano, valorização do indivíduo como cidadão. O meu primeiro dia de aula terminou, fui para casa querendo chegar bem depressa para contar aos meus amigos o meu verdadeiro nome; já querendo também voltar para a escola no outro dia.

          Em poucos dias, eu estava escrevendo e lendo as primeiras letras do alfabeto. Os rabiscos ganharam formas e os pontos na folha do caderno ganharam sentidos. Lembro ainda minha primeira frase lida por completo: Dada tem um dado. Dada deu o dado para o Dudu.

          Um dia, na aula de Ciências, aconteceu algo que mudaria minha concepção da educação e a minha forma de gostar da professora. Dona Aurora chegou com mais material do que a bolsa preta que costumava carregar. Toda a rotina se repetiu: copiar a ficha com a data, nosso nome, nome da escola, nome da professora e o nome da cidade, corrigir o dever de casa, ler e copiar uma leitura do livro didático. Então veio a aula de Ciências. Primeiramente, Dona Aurora fez uma longa explicação sobre os órgãos da percepção e os sentidos do corpo humano. Depois, foi retirando objetos de dentro de uma caixa e colocando em cima da sua mesa e diante da curiosidade de toda a turma disse:

          — Estes objetos são para verificar a percepção e os sentidos de vocês.

          Ela chamou cinco alunos para serem voluntários na experiência; eu fui o último a ser chamado. Na frente da turma e com os olhos vendados com um pedaço de pano negro, cada um de nós teve um dos sentidos provocado. O primeiro aluno colocou a mão dentro de uma sacola para descobrir qual era o objeto que estava lá dentro através do tato; para o segundo aluno, foram tocados vários sons para que ele identificasse a qual objeto pertencia através da audição; o terceiro aluno comeu alguns biscoitinhos para dizer através do paladar se eram de doce, de sal ou de outro sabor; do quarto aluno foi retirado o pano dos olhos para que ele lesse através da visão um cartaz colocado a sua frente. Enfim, havia chegado a minha vez. Dona Aurora aproximou uma certa fruta do meu nariz e ordenou:

          — Cheire! Que fruta é está? Dá para saber se ela é doce ou azeda somente através do olfato?

          Dei uma inspirada bem profunda e o meu pulmão encheu-se com um aroma de limão. Um cheiro bem conhecido para quem vivia na roça.

          — Cheiro de limão. É um limão azedo — respondi.

          Até hoje, quando fecho os olhos e lembro aquele momento, ainda consigo sentir o aroma do limão a provocar meus sentidos. Desde aquele dia aprendi mais um ponto fundamental da educação: a educação precisa mexer com os nossos sentidos, trabalhar com a nossa percepção. Educação para mim é sentir o cheiro do limão a dissipar fedor da ignorância.

          A escola transformou-se para mim numa grande aventura com descobertas constantes. Mas como nada dura para sempre, foi nesta época que tive a maior decepção do meu período escolar. O meu caderno de dever de sala de aula acabou durante um teste realizado no próprio caderno. Dona Aurora falou para eu ir até a diretoria pedir um caderno a diretora, para eu não ficar sem fazer o teste. Com muita vergonha, eu caminhei até a sala da diretora; pedi licença, falei que estava precisando de um caderno e expliquei o porquê. A diretora parou o que estava escrevendo, olhou em minha direção e perguntou:

          — Onde você mora?

          — Na roça — respondi com a voz embargada.

          A diretora da escola levantou de sua mesa, caminhou até um armário de aço, pegou um caderno daqueles bem fininhos com a figura de um macaco na capa e levantando-o na altura dos meus olhos disse de forma ríspida:

          — Vou te dar este caderno hoje, mas será o primeiro e o último. Quando precisar de outro, pegue e traga uma galinha lá da roça para você vender aqui na cidade e depois compre o caderno. Escute bem este meu conselho!

          Tremendo e chorando compulsivamente, eu peguei aquele caderno e fui para a sala de aula. Naquele momento eu aprendi que as pessoas podem machucar muito mais que imaginam, mesmo quando parecem que estão ajudando. Pedir o caderno foi um ato de muita coragem para mim; receber aquele não disfarçado da diretora causou feridas profundas na vida de um menino, transformou o caráter de um homem. Jurei, entre lágrimas e soluços, nunca mais precisar depender de alguém para conseguir realizar os meus sonhos.

          Outro fato que aconteceu e serviu para o amadurecimento da relação de amizade de toda a turma, mas causou grande sofrimento para nós, foi a morte repentina de um colega de classe. Era uma segunda-feira, tínhamos acabado de retornar das férias do meio do ano, quando recebemos a notícia de que o André havia morrido. André era o garoto mais esperto na escrita, na leitura e nas brincadeiras; todos o queriam no seu time na hora de brincar, as garotas gostavam do seu porte atlético. No domingo à tarde, ele estava brincado na pracinha em frente à nossa escola, foi dar uma pirueta no ar, caiu por cima da cabeça e morreu na hora. Depois que recebemos a notícia, Dona Aurora disse que não tinha condições de dar aula naquele dia e dispensou a turma. Descobri naquele dia que as pessoas morriam. A cadeira e a mesa onde André sentava-se ficou o resto do ano vazias, ninguém atrevia a ser o primeira a ocupar o seu lugar. 

          Depois de muitos outros cadernos que acabaram, mas sem pedir nem um novo para a diretora, o ano letivo já estava quase no fim, só faltava a prova final. As palavras tornaram-se minhas amigas, companheiras inseparáveis. Lia tudo e de tudo que encontrava pela frente. A minha brincadeira preferida agora, mesmo quando estava como meus amigos da roça: era brincar de escolinha. Eu sempre era o professor e os meus amigos os alunos. Sinceramente, acho que alfabetizei, enquanto brincávamos, muitos dos meus amigos que nunca tiveram a oportunidade de ir à escola.

          Como preparação para prova final, Dona Aurora propôs para a turma que fizéssemos uma redação sobre o que tínhamos aprendido naquele ano e os nossos desejos para o futuro. Eu fiz uma redação pequena, mas pensando bem nas palavras para não errar as frases. Ainda hoje, recordo nitidamente as palavras que escrevi:

         

          A escola é um lugar muito gostoso. Brinco com os meus colegas na hora do recreio; faço os exercícios que a Dona Aurora passa, leio histórias interessantes e ainda me divirto com tudo isso. Vamos estudar, porque estudar é contribuir com a obra de Deus.

 

          Para minha grande surpresa, quando veio a prova final, o meu pequeno texto havia sido escolhido para ser uma das leituras. Para ser mais preciso, o meu texto foi a leitura da capa da prova, um lugar de destaque. Aquele ato, de valorização da minha redação, me fez construir mais um importante conceito sobre a educação: as pessoas que trabalham na educação precisam valorizar as pequenas e grandes construções de seus alunos, isto é respeitar as potencialidades do ser humano. O ano letivo acabou, voltei para casa com as palavras na cabeça e as letras nas pontas dos dedos. Mais alguns meses e começaria o meu segundo ano na escola, mas isto já é outra história, para outra ocasião.

          Quando fui escrever este texto, veio a curiosidade de olhar no dicionário o significado do nome da minha primeira professora; lá no dicionário eu encontrei a definição para aurora: período antes do sol nascer; princípio, origem. Dona Aurora, minha querida professora, participou do período antes do sol da educação nascer no horizonte de minha ignorância e contribuiu no princípio, na origem da minha vida de escritor. Ela foi a aurora da minha vida.

 

 

 

UMA HISTÓRIA DE AMOR E COINCIDÊNCIAS

 

          Muitas pessoas ficam imaginando ou sonhando como encontrar o grande amor de sua vida. Na minha opinião o amor é imprevisível e por isso extremamente emocionante. Comigo aconteceu uma bela história de amor, daquelas dignas dos melhores livros de contos de fada, mas um conto de fada moderno e real. Como sei que todas as pessoas interessam por tudo o que acontece na vida dos outros, vou contar então a minha história de amor.

          Durante a minha infância e adolescência tinha uma grande tendência à obesidade, chegando a pesar, aos dezessete anos, cento e vinte quilogramas, o que me tornava um jovem bastante complexado, mantendo-me longe dos relacionamentos amorosos. Somente aos dezoito anos, quando fiz um tratamento de emagrecimento em um Centro de Recuperação para Obesos, e passei a pesar setenta e seis quilogramas, ou seja, emagreci realmente quarenta e quatro quilogramas, comecei a viver ou nasci novamente. Depois de muita musculação e reeducação alimentar, o meu corpo voltou ao normal e minha confiança e auto-estima voltaram também, fazendo com que abrisse meu coração para as aventuras amorosas. Rapidamente as garotas, que antes nem me percebiam, começaram a olhar para mim de uma forma diferente, e principalmente a aproximarem para conversar sobre emagrecimento: assunto constante na boca das mulheres que importam com o corpo e a estética. Passei, ainda que tardiamente, por aquela fase de inconstância nos relacionamentos típica dos adolescentes; tendo várias namoradas e inúmeras ficantes em um curto espaço de tempo. Até que um dia a história mudou, quando conheci minha esposa.

            Para anunciar minhas aulas particulares (trabalho que exerci durante vários anos), eu fiz vários panfletos no computador e colei-os em diversos lugares estratégicos como: escolas, bancos, papelarias, lojas, etc. Um panfleto em especial foi o provocador direto de toda uma esta história de amor; como disse, digna dos contos dos livros e dos cinemas. Este panfleto foi colocado na parede interna de uma papelaria super agitada. Alguns dias depois a dona da papelaria colocou uma mochila escolar sobre ele, escondendo-o totalmente. Ali o panfleto ficou escondido por mais de dois anos sofrendo os efeitos do tempo, que desfigurou um dos quatro últimos dígitos do número do meu telefone de contato. Os dígitos eram: 2942. Para ser mais exato, foi o segundo número, ou seja, o nove que ficou ilegível. Depois deste tempo, a última bolsa, de uma série das que passaram por cima do panfleto, foi vendida e o panfleto com o anúncio novamente apareceu. Um dia, ao passar por aquela papelaria, ato que realizo periodicamente para comprar os meus materiais de trabalho, notei a presença do panfleto desfigurado e até cheguei a comentar com a dona da loja para tirá-lo da parede, pois estava já sem utilidade daquela forma. Ela sorrindo disse que retiraria, mas se esqueceu. Um certo dia uma linda jovem recém chegada da capital, muito estudiosa, mas que mesmo assim estava encontrando dificuldades com a matemática, viu o panfleto e anotou o número do meu telefone de contato, com um dos quatro últimos números ilegível, ou seja, 2_42. Chegando em casa, ela começou a ligar alternando sempre o segundo dígito, já na décima e última tentativa ela ouviu do outro lado da linha telefônica: alô, aulas particulares, boa tarde. Era a voz de uma das minhas três irmãs que a atendera. Para a infelicidade de sua busca, eu não estava em casa no dia, na verdade estava viajando há quase uma semana; a jovem disse que ligaria em outra ocasião. E realmente ligou mais três vezes nos dias que se seguiram, sempre dando negativa sua procura. Cansada de receber não pelo telefone, ela e sua mãe saíram à procura do tal professor de aulas particulares; chegando em minha casa e outra vez não me encontrando, ela já estava desistindo de ter aulas particulares. Meus familiares também já estavam preocupados com a insistência da jovem, eles garantiram que eu ligaria assim que chegasse do trabalho naquele dia, anotando o telefone e endereço da jovem. Eu que já sabia de toda a história, e que no começo não dera muita atenção, também começava a ficar curioso, para saber quem era a garota misteriosa que tanto me procurava. Não liguei, mas fiz melhor ainda, fui até sua casa. Chegando lá, fui muito bem recebido, e uma conversa que deveria durar apenas alguns minutos, demorou aproximadamente uma hora; não com a garota, mas sim com seus familiares; pois ela eu só via passando de um lado para o outro ou quando era chamada para responder alguma coisa relacionada à matemática. Na verdade parecia que a jovem estava arrumando ou fazendo algo muito importante, a julgar por sua movimentação, mas nunca fiquei sabendo o que era. Também veio ao meu pensamento que ela disfarçava sua ansiedade andando de um lado para o outro. Alta, cabelos pretos, olhos pretos, um corpo muito bem definido, um sorriso maravilhoso e um jeito especial de falar, a transformavam em uma jovem realmente linda e cativante.

              No outro dia comecei a dar aulas de matemática para ela, e conhecê-la melhor. Simplesmente uma garota maravilhosa, em uma visão poética a definiria assim: uma gentileza encantadora das princesas dos contos de fada, uma voz que lembra a melodia da natureza, uns olhos de pantera, um cabelo negro como a noite sem luar, uma boca que cativa o olhar com um sorriso maroto, um corpo perfeito, cintura estilo violão, etc. Nos primeiros contados ela já me cativava com o seu jeito especial de ser.

Na época, ela estava de compromisso (acho que era namoro) com um rapaz de sua terra natal; eu também estava namorando uma moça de uma cidade próxima a minha, de anel de compromisso e como manda a boa moral de uma cidade do interior mineiro. Durante aproximadamente três meses nos comportamos muito bem: o professor e a aluna dedicada. Mas com o passar dos dias, ela começou a reclamar de seu namorado, pela distância e por certas atitudes anti-sociais por parte dele. Eu do meu lado sempre repetindo: se eu fosse mulher não namoraria jamais um troglodita como é esse cara. Nos tornamos grandes amigos e até confidentes, ela e eu falando de nossas desventuras amorosas. O tempo passa...

            Em dezembro daquele ano, a situação com minha namorada, que já  não estava legal há bastante tempo, ficou insuportável e terminamos nosso relacionamento. Nos ombros amigos da minha aluna e amiga, é que encontrei lugar para chorar as mágoas. No Natal e Ano Novo, voltei a minha vida de inconstância afetiva, curtindo somente o momento e esquecendo os rostos das garotas no outro dia; prometendo a mim mesmo não entrar em outro relacionamento sério tão cedo novamente. Mas logo o destino disse não.  A jovem e seu namorado também terminaram o relacionamento em meados de janeiro do ano posterior. Quando eu soube da notícia, pela boca de minha aluna-amiga, meu coração disparou; fiquei sabendo naquele momento que a amava com toda a força de meu ser. Durante alguns dias fui também para ela o ombro amigo na hora de lamentar a dor de amor, vê-la chorando maltratava meu coração, e muitas das vezes dava vontade de tomá-la em meus braços e dizer que a amava muito mais do que aquele por quem tanto sofria, mas faltava a coragem para transformar a aluna-amiga em namorada; da parte dela pensava eu que havia também um sentimento recíproco. Até que no carnaval, do mesmo ano, tivemos a oportunidade de declararmos o amor que sentíamos um pelo outro. Em nosso primeiro beijo um turbilhão de emoções invadiu nossos corpos, que queimavam há um bom tempo de paixão.

            Depois de aproximadamente um ano de namoro, nós ficamos noivos. Mais quatro anos passaram-se até nosso casamento na paróquia da cidade, momento único e o mais intenso da minha vida. 

            Hoje, estamos juntos, temos dois lindos filhos e uma certeza no coração: nosso conto de amor tornou-se realidade.

 

 

 

 

AS CONFISSÕES DE UM EXCÊNTRICO

 

          Tudo começou com cinco toques repetitivos em um apagador de uma lâmpada do meu quarto, seguidos por movimentos involuntários do pescoço. Pensei que fosse a coisa mais normal deste mundo, mas infelizmente não. Era o começo de um grande problema. Depois comecei a freqüentar sempre o mesmo restaurante e a sentar na mesma mesa, virado com as costas para a cozinha e a frente para a porta de entrada; o garçom também tinha que ser o mesmo. Se eu chegasse no restaurante e não encontrasse o meu garçom ou a minha mesa estivesse ocupada, voltava para casa e passava fome o resto do dia. O mesmo acontecia com o cabeleireiro e o tipo do corte do cabelo, repetidos constantemente e sem mudança. Em casa, eu quase enlouquecia ao encontrar algo fora do lugar. Sentia que havia alguma coisa muito estranha acontecendo comigo; mas tudo o que eu fazia, pareciam apenas manias de uma pessoa perfeccionista. Comecei então a juntar e colecionar caixas de todos os tamanhos e modelos; as caixas que são as melhores companheiras do perfeccionista, pois simbolizam a organização. 

          É muito difícil considerar que algo está errado com a gente e as coisas não acontecem de uma noite para o dia. Sempre fui muito organizado, ou melhor, tinha mania de organização; e a mania de organização transformou-se em obsessão. Não podia ver uma porta aberta que tinha de fechá-la, um copo fora do lugar eu tinha de colocar onde julgava ser o correto. Era uma tortura. As notas de dinheiro tinham de estar todas do mesmo lado, direção, sentido e sem amassar; já me pequei passando a ferro algumas notas que estavam muito amassadas, aquelas que você geralmente recebe em um lanchonete ou bar. Os meus livros na estante tinham que estar arrumados por ordem alfabética, tamanho e estilo. As roupas eram colocadas no guarda-roupa uma por uma, cabide por cabide, sem que uma peça encostasse com a outra. Aos poucos, eu fui parando de tomar café; pois o cafezinho que é a paixão dos brasileiros, também é a bebida mais mutável do mundo, em cada lugar ele é feito e consumido de uma forma: forte ou fraco, quente ou frio, doce ou amargo. E o meu grande problema era exatamente não saber como seria o próximo cafezinho, então parei de vez. Na hora do almoço e jantar, eu gostava de colocar no prato as comidas bem separadinhas umas das outras; na hora de comer, também, comia separadamente cada tipo de alimento até o último caroço, grão ou pedaço. Este hábito raro ao alimentar, aos poucos, transformou-se em um desespero, por fim eu já estava fazendo assim: colocava cada alimento em um prato diferente. Chegando a usar dez pratos diferentes em uma única refeição. Logicamente, eu ganhei o título de mais organizado do meu local de trabalho. Todas as vezes que tinha algo minucioso para fazer, o meu nome era o primeiro a ser escolhido. O pessoal gostava de pegar no meu pé e faziam de tudo para me verem em uma situação de desorganização. De tanto eles zoarem comigo, eu comecei a usar a tática do contrário: fazer alguns atos de desorganização na presença de meus colegas de trabalho como deixar um lápis caído no chão ou com a ponta quebrada, um livro com as folhas abertas ou amassadas, uma porta de armário escancarada, um copo de café em cima da mesa, entre outras bagunças. Depois quando não tinha ninguém por perto me observando, colocava tudo como deveria ser, no seu determinado lugar, posição e direção. Mas tudo isso na minha opinião era somente uma questão de organização; mania está vinda do tempo de criança em que eu já costumava pensar e agir de forma matemática, realizando tudo sobre a ótica das filas, conjuntos, gráficos e fórmulas.

          Com o passar dos anos, os meus hábitos já seriam bem hilários se contados para alguém. Sair de casa tornou-se um ato de pura determinação. Começava com a arrumação das peças de roupas que eram colocadas em cima da cama fazendo a estrutura de um corpo, sendo colocados também todos os acessórios para aquele dia como a carteira, o relógio, o celular, o vidro de perfume e outros. Chegava a hora do banho, sempre era uma chuveirada de aproximadamente trinta minutos, sem deixar nenhuma parte do corpo sem ser inspecionada, passando e retirando o sabão do corpo no mínimo três vezes. A toalha preparada com todos os seus ângulos em noventa graus me esperava do lado de fora do chuveiro, era hora de enxugar sem exceção todas as partes do corpo, cada gota era exterminada com fervor. A roupa era vestida em frente ao espelho para não ficar nada fora do lugar, isto incluía os acessórios. Chegava a hora de sair, passava de cômodo em cômodo da casa olhando se estava tudo em ordem, pegava as chaves em cima de uma pequena mesinha de centro e tentava sair. Sim, o termo certo é tentar sair. Trancava a porta, dava três passos, voltava abria a porta e dava uma olhada para dentro para ver se continuava em ordem, trancava novamente a porta, mais uns cinco passos e de novo voltava até a porta para confirmar se estava fechada; isto quando não abria a porta mais uma vez. Assim era durante uns cinco minutos uma grande batalha contra mim mesmo, na tentativa de ganhar a rua. Ainda querendo voltar para conferir a segurança da casa mais uma vez, eu saio. Na rua, eu colocava primeiro o pé direito para fora do portão. Se eu pisasse no meio do quadrado do piso, era assim que ia até chegar ao meu destino ou trocar a forma do piso. E se trocava a forma do piso, eu ficava alguns minutos pensando como fazer para continuar. Se eu pisasse primeiro nas linhas do quadrado do piso, eram então as linhas o meu ponto de apoio para pisar; às vezes tinha de dar um passo bem largo para alcançar a próxima linha. As pessoas, que passavam por mim e percebiam as minhas formas bizarras de andar, eram tomadas de um incontrolável acesso de riso. Muitas destas pessoas me acompanhavam por longos trajetos, só para ver se eu continuava a fazer sempre as mesmas coisas. E eu sempre continuava.

          Algumas cenas eu acho que só acontecem comigo. É muito improvável que exista outro ser humano como eu; se existir, tenho muita pena dele. Certa vez, fui fazer uma viagem para a capital do nosso estado. Como sempre comprei a passagem de ônibus com uma semana de antecedência. No dia do embarque, fui para a rodoviária com uma hora de sobra para a saída do ônibus. Como o ônibus saía de outra cidade e passava na minha, quando eu entrei, ele já estava lotado. Havia uma pessoa bem sossegada na minha poltrona; eu cheguei perto, olhei novamente o número da poltrona, conferi na passagem e resolvi chamar o motorista para resolver o problema. Ir em pé até a capital era impossível. O motorista após conferir as duas passagens, confirmou que havia sido vendida a poltrona número onze para duas pessoas. Segundo o motorista, aquilo nunca havia acontecido nos seus vinte e cinco anos de profissão naquela linha do interior para a capital. Ah, eu esqueci de contar. Eu só viajo de ônibus na poltrona número onze; caso não consiga esta poltrona, viajo no próximo ônibus. Naquele dia, como não houve acerto para eu viajar na poltrona número onze, eu fiquei para viajar no próximo dia. Após é claro reclamar muito com a empresa de ônibus. No outro dia, o ônibus chegou na rodoviária com duas horas de atraso. Como a poltrona número onze estava desocupada, eu sentei e segui viagem. Na primeira curva mais acentuada da rodovia, uma mala que estava no bagageiro superior caiu na minha cabeça e fez um pequeno corte, que doeu a viagem toda e ainda provocou febre. Para piorar a situação, nas duas poltronas da frente e detrás havia crianças que brincavam e fazia o maior barulho. Não era para eu viajar para a capital mesmo, acabei concluído.

          Duzentos e quarenta e oito. Este é o número exato de postes de energia que tem a avenida principal da minha cidade. Uma das minhas compulsões é contar as coisas sempre que vejo repetições: postes em geral, placas de carro com dígitos repetidos ou seqüências, casas com determinada cor, livros de uma estante, pessoas em uma fila, carros que passam por mim durante uma viagem, entre outras repetições. Gostar de repetições me fez também gostar de rotina. A expressão “sair da rotina” não é vista por mim com bons olhos. A rotina me deixa mais seguro; talvez seja mesmo medo de enfrentar o futuro de frente com suas impossibilidades, como dizem para mim.

          Duas coisas que me deixam louco são as minhas mãos sujas e pessoas que conversam batendo as mãos pelo nosso corpo. Nos dois casos eu vou para o banheiro e lavo as mãos ou os lugares tocados até a pele ficar vermelha, passando sabão e retirando com muita água.

          Sei que sou uma pessoa estranha e até certo ponto de difícil relacionamento. Poucas pessoas conseguem conviver harmoniosamente com uma pessoas tão cheia de compulsões de humor, manias e excentricidades. Mas ainda há esperança. Hoje, após um longo período de resistência, comecei o meu tratamento psiquiátrico. E acabei de dar o primeiro, o mais incerto e difícil passo para a recuperação que é tornar público os males que me corroem por dentro. 

           

 

* * *

 

Durante a vida toda, sempre corremos hoje, atrás das

coisas que ontem passaram ao nosso lado.

Agarre as oportunidades da vida!

 

 

 

 

O AUTOR

 

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José Maria Cardoso, nasceu no dia 31 de janeiro de 1978, na cidade de Ipanema, interior de Minas Gerais. Formado no Curso Normal de Magistério na EE Coronel Calhau em 1995, não mais parou de trabalhar na arte de ensinar. Formado no Curso Normal Superior em 2005, Campus de Ipanema do Centro Universitário de Caratinga - MG e Pós-graduado em Docência do Ensino Superior em 2007, pela Universidade Candido Mendes - RJ. Atualmente é Analista Educacional, da Equipe Pedagógica, da Superintendência Regional de Ensino de Caratinga - MG, Palestrante e Contador de Histórias Infantis.

 

 

Blog : escritorjmcardoso.zip.net

E-mail : escritorjmcardoso@bol.com.br

              josemariaed@bol.com.br

 

             

Obras Editadas:

·        Totalidade Humana “Em Busca da Vida”, Editora Caratinga, 2004.

·        Totalidade Humana II “Vidas Especiais”, Editora Caratinga, 2005.

·        Conto, Reconto; Encontro Outro Conto, Editora Caratinga, 2008.

 

 

 

FONTE: LIVRO CONTO, RECONTO; ENCONTRO OUTRO CONTO, ESCRITOR JOSÉ MARIA CARDOSO, EDITORA CARATINGA 2010.