sábado, 15 de fevereiro de 2014

CONTO “NA POLTRONA AO LADO”

NA POLTRONA AO LADO

Quando ando de ônibus gosto de ir sozinho nas duas poltronas, geralmente sento na poltrona do corredor impedindo a passagem das outras pessoas para a poltrona da janela. Eu sei que é uma atitude egoísta e até desumana, mas é que gosto de viajar dormindo ou lendo, e as pessoas que sentam ao nosso lado, sempre, gostam de puxar conversa.

Naquele dia eu estava sentado como sempre na poltrona do corredor; o ônibus parou e ele entrou, pediu se eu poderia passar para a poltrona da janela. Reticente, eu ainda olhei envolta se tinha alguma outra poltrona vazia para indicar para ele sentar, não havia. Contra a minha vontade passei para a outra poltrona. Ele sentou ao meu lado e começou a contar a sua vida, mesmo vendo minha cara mal-humorada.

Um senhor com uns oitenta anos e com roupas sujas. Era a melhor definição para ele. E eu também não queria guardar na memória aquela pessoa.

Casou-se seis vezes de papel passado, viveu algum tempo com um número indeterminado de mulheres, teve vinte e dois filhos, anda sempre armado e gosta de beber uma cachacinha. Ele soltou todas estas informações nos primeiros segundos depois de sentar na poltrona.

Disse que já havia feito muitas coisas erradas na vida e por isso andava com um “negócio” na bolsa para se defender dos maridos traídos.

Sua família tivera muitas riquezas; mas depois da morte dos seus pais, de tanto os irmãos brigarem a fortuna desfez-se.

Disse que também já havia ganhado muito dinheiro, algumas notas de forma digna e milhares de notas conseguidas erroneamente, mas como tudo que vem fácil acaba fácil, perdeu tudo com os jogos, as bebidas e as mulheres.

Morou em todos os lugares possíveis e impossíveis deste “mundão de meu Deus” também; e agora, seu destino é andar de um lugar para o outro sem rumo.

Um dia, deram-lhe um “boa noite Cinderela” e roubaram todo o seu dinheiro e ainda queriam matá-lo. Sua sorte foi que passou um carro da polícia na hora; os soldados não viram o que estava acontecendo, mas serviu para afugentar os malandros que o sequestravam.

Alguém tocou a campainha do ônibus solicitando a parada no próximo ponto; ele disse que já era hora de descer. Fiz-lhe a única pergunta que deu tempo e veio na minha cabeça: conhece o lugar? Ele respondeu que não e foi embora pedindo, em voz alta, para Deus abençoar a viagem de todos.

Eu continuei a minha viagem, mas ao contrário dele tinha um destino definido e sabia onde queria chegar.

Feliz era ele, que estava livre para escolher o seu destino.

 

 

LIVRO “DE CASO COM O ACASO”, ESCRITOR JOSÉ MARIA CARDOSO.

 

DE CASO COM O ACASO

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