sexta-feira, 10 de junho de 2011

CONTO “SUBINDO A MONTANHA”

SUBINDO A MONTANHA

Em um lugar muito distante, tão longe que a tecnologia ainda não chegou, um homem, ainda jovem, vivia o tempo todo de cabeça baixa, triste. Ele morava sozinho e na maior miséria, mesmo possuindo muitas terras, que recebera de herança. Sempre que alguém lhe perguntava como ele estava, ele reclamava que não tinha motivo nenhum para estar feliz. Dizia, que suas costas doíam, que seus olhos viviam cheios de poeira, que seu estômago não parava de roncar e doer, que suas pernas estavam fracas, que suas terras não serviam para nada, e uma porção de outras respostas negativas.

Um dia, passando por ali, um Sábio Andarilho parou para tomar água em seu casebre, e fez novamente a pergunta:

___ Como tem passado?

Antes de pegar a água para o Sábio Andarilho, ele repetiu as respostas negativas de sempre. Depois, entrou cabisbaixo no casebre e trouxe a água, em uma vasilha de madeira bastante desgastada pelo tempo.

O Sábio Andarilho, percebendo a vida que aquele homem estava passando, falou para ele:

___ Nas minhas andanças pelo mundo, estive em uma montanha onde vi dois objetos mágicos, que imagino serem de seu interesse. O primeiro é um Vaso de Barro, que transforma qualquer coisa colocada dentro dele em ouro puro e legítimo. O segundo é um Palhaço de Madeira, que ao ser tocado deixa aquela pessoa feliz para sempre. Eu os deixei no pico de uma montanha, dentro de uma pequena caverna. Se quiser poderei indicar o caminho até lá.

A conversa logo interessou o homem, que pediu mais explicações sobre o lugar. O Sábio Andarilho respondeu:

___ Na verdade, este local não fica nem tão longe, nem posso dizer que é perto. Se ele é longe ou perto, vai depender da sua dedicação na caminhada. Encontrar a montanha não será difícil, pois ela é a única, em todo o mundo, que fica sempre rodeada por enormes pombos selvagens. Para lhe ajudar, vou fazer alguns desenhos que indicaram os lugares que deverá passar.

Logo em seguida, o Sábio Andarilho pôs se a caminhar, desaparecendo na curva da estrada empoeirada. O homem, por outro lado, ficou parado pensando no que fazer. Ainda, demorou alguns dias para criar coragem de sair à procura da tal montanha. Em um momento crítico de sua vida pensou: já faz três dias que não como nada, as latas estão vazias e minhas costas estão doendo como nunca, acho que não tenho nada mais a perder, talvez a morte no caminho possa ser uma ótima solução para mim. Assim, ele pôs-se a caminhar.

Andou alguns passos e pensou em desistir, mas olhando para trás sentiu preguiça de voltar, resolvendo continuar. Andou mais três quilômetros, ainda dentro de sua fazenda, vendo tudo seco, sem vegetação, sem animais ou pássaros. Mas ao sair de sua fazenda, notou a presença de vegetação verde e alguns animais, que iam ficando cada vez mais numerosos à medida que caminhava. Começou a encontrar alimentos silvestres e a comê-los. Depois de aproximadamente quatro dias de caminhada, chegou a uma linda fazenda, onde foi muito bem recebido pelo dono, que o convidou a passar alguns dias ali para descansar.

Continuando sua caminhada, sempre era muito bem recebido em todos os lugares por onde passava. O acolhimento das outras pessoas o animou e nem mais lembrava de sua solidão; com o caminhar constante as suas pernas fortaleceram e pararam de doer; a comida que recebia era farta e seu estômago parou de roncar; de tanto olhar para o alto, para ver se avistava a montanha ou os pombos selvagens, já não mais andava cabisbaixo, suas costas pararam de doer e passou a ver a beleza das coisas a sua volta. Para comer, em certos lugares, passou a trabalhar de carpinteiro (profissão que aprendera com seu pai). Com o tempo, até já possuía um pouco de dinheiro guardado, passando a viajar de ônibus; sempre indo em frente.

Já havia 20 anos, desde que saíra de casa, e ainda não alcançara seu objetivo. Sua história rodou o mundo, ele ficou conhecido com o “Homem da Montanha”. De suas viagens e histórias, ele escreveu milhares de livros, tornando-se famoso e dono de sua própria editora. Casou-se. E agora, seus filhos vivem correndo por sua mansão, acompanhados por sua bela esposa. Sua vida triste e miserável ficara no passado distante.

Um dia, ele resolveu voltar a sua terra natal, a sua velha fazenda. Chegando lá, não reconheceu o lugar, pois se tornara uma enorme fazenda produtiva, cheia de alimentos e animais, cuidada por seus vizinhos, que não mais tinham esperança de sua volta. Ao longe, ele avistou uma montanha e alguns pássaros voando em volta. Seu carro, do ano, logo estava a caminho da montanha. Chegando lá, ele subiu a montanha correndo, pois tinha grande pressa em alcançar logo o topo. Agora era um homem forte e decidido em suas ações. Bem diferente do homem de muitos anos atrás. Ao chegar no pico da montanha, não encontrou a caverna, e muito menos os tais objetos, frutos de sua incansável procura. Mas somente uma frase talhada (escrita) na pedra: “Quem vive olhando o tempo passar, nunca entenderá a beleza de passar o tempo vivendo”.

 

ESCRITOR JOSÉ MARIA CARDOSO, LIVRO TOTALIDADE HUMANA EM BUSCA DA VIDA, EDITORA CARATINGA 2004.

 

ESCRITOR JOSÉ MARIA CARDOSO LIVROS (8)

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